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Voo Nocturno, de Saint-Exupéry

12/07/2011


“Para as companhias de navegação aérea tratava-se duma luta de velocidade com os outros meios de transporte. É o que neste livro explicará Rivière, admirável figura de chefe: «Para nós é uma questão de vida ou de morte, pois que perdemos, em cada noite, o avanço ganho durante o dia ao caminho-de-ferro e aos navios.» Este serviço nocturno, muito criticado ao princípio, em seguida aceite e tornado prática corrente depois do risco das primeiras experiências, era ainda, ao tempo desta narrativa, bastante incerto: ao impalpável perigo das rotas aéreas semeadas de surpresas, acrescentava-se aqui, de resto, o pérfido mistério da noite. Tão grandes quanto são ainda, apresso-me a dizer que os riscos vão diminuindo de dia para dia, já que cada nova viagem facilita e assegura um pouco melhor a seguinte. Mas para a aviação, assim como para a exploração das terras desconhecidas, há um primeiro período heróico, e Voo Nocturno, que nos descreve a trágica aventura dum desses pioneiros do ar, tem muito naturalmente um tom de epopeia. (...)

O herói de Voo Nocturno, conquanto não desumanizado, eleva-se até uma virtude sobre-humana. Creio que o que me agrada mais nesta narrativa vibrante é a sua nobreza. As fraquezas, os abandonos, as quedas do homem, conhecemo-las sobejamente e a literatura dos nossos dias é por demais hábil a denunciá-las; mas é sobretudo esta superação de si que a vontade tensa obtém que temos necessidade que nos mostrem.

Mais espantosa que a figura do aviador é para mim a de Rivière, o seu chefe. Este não age na primeira pessoa: leva à acção, insufla nos seus pilotos a sua virtude, exige deles o máximo e obriga-os à proeza. A sua implacável decisão não tolera a fraqueza e a menor falha é punida por ele. À primeira vista a sua severidade pode parecer desumana, excessiva. Mas é sobre as imperfeições que se exerce e de modo nenhum sobre os próprios homens, que Rivière pretende forjar. (…) Cada uma das personagens deste livro devotou-se ardentemente, totalmente, ao que deve fazer, à tarefa perigosa em cujo cumprimento unicamente encontrará o repouso da felicidade. E antevê-se perfeitamente que Rivière de modo nenhum é insensível (nada mais comovedor do que a descrição da visita que lhe faz a mulher do desaparecido) e que não lhe é necessária menos coragem para dar as suas ordens do que aos seus pilotos para as executar. (…)

Do mesmo modo o sentimento do dever domina Rivière: «O obscuro sentimento do dever, maior do que o de amar.» Que o homem não encontre o seu fim em si próprio mas se subordine e sacrifique a algo que o domina e vive dele. (…)

Num tempo em que a noção de heroísmo tende a desertar do exército, pois que as virtudes viris correm o risco de se tornarem supérfluas nas guerras de amanhã, cujo horror futuro os químicos nos convidam a pressentir, não é na aviação que vemos manifestar-se mais admiravelmente e mais utilmente a coragem? O que seria temeridade deixa de o ser num serviço comandado. O piloto, que arrisca incessantemente a vida, tem algum direito a sorrir-se da ideia que vulgarmente fazemos da «coragem». (…)

O que conta, Saint-Exupéry conta-o «com conhecimento de causa». O afrontamento pessoal dum perigo frequente dá ao seu livro um sabor autêntico e inimitável. (…)”

Prefácio do livro, feito por André Gide


*Mais info sobre Saint-Exupéry aqui.
*Mais info sobre André Gide aqui.
*Podem ler o livro aqui.
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