"Convencionou chamar-se "Histórias de Petersburgo" às seguintes cinco: Avenida Névski, Diário de um Louco, O Nariz, O Retrato e O Capote. É a etapa específica da obra de Gógol que se segue às suas histórias fantásticas ucranianas e aos contos da colectânea Mírgorod, e a que os historiadores da literatura denominam "segundo período". (...)
Segundo o historiador da literatura Vorônski, das histórias ucranianas para as histórias de Petersburgo o céu torna-se cinzento, as cores deslavaram-se, as linhas tornaram-se monótonas e geométricas, o ambiente da narração atafulhou-se de objectos inanimados a que se misturam seres vivos nos quais os atributos - vestidos, fardas, bigodes, penteados, condecorações - se sintonizam melhor com o cenário do que as características de individualidade humana. este caleidoscópio de cores incertas, de brilhos ocasionais, de penumbras e nevoeiros, é vago, movediço, adquire formas fantasmagóricas e, ao mesmo tempo, pesadamente estáveis e oprimentes. Diz-se que há aqui fontes do futuro impressionismo. (...)
É inevitável referirmos as correntes literárias em que se inspirou Gógol para a feitura destas histórias de Petersburgo: os elementos fantásticos, por vezes místicos, aproximam-se do romantismo, sobretudo do alemão; alguns elementos destas histórias, por exemplo, em O Nariz, com a situação da perda de uma parte do "eu", lembram de facto o aparecimento do duplo hostil, o rival, da História Fabulosa de Peter Schlemihl de Chamisso (perda da sombra); há um certo paralelismo entre O Retrato e o Elixir de Satanás de Hoffmann. Porém, na senda de Púchkin, o fantástico seguiu um caminho muito diferente, não só em Gógol mas em toda a prosa literárias russa ulterior: fundiu-se no real, e o largo alcance e a perspicácia com que Gógol reproduz a realidade viva fazem deste autor um realista; e, também, pelo seu humor implacável, um satírico."
*O texto a laranja é a introdução presente no livro.
**Na imagem: Kovaliov sem o seu nariz.