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Excertos de Cartas a Luísa (parte 3)

24/08/2014

Os excertos seguintes foram retirados do livro Cartas a Luísa, de Maria Amália Vaz de Carvalho. Sendo um livro sobre a sociedade oitocentista (e a condição feminina nessa mesma sociedade), algumas premissas serão anacrónicas, mas outras serão bem actuais.

Madame X, de John Singer Sargent. Daqui.

CARTA 18 – As escolas móveis pelo método João de Deus
      Um povo analfabeto tem nas suas mãos o sufrágio cívico e, portanto, o direito de escolher entre os que dirigem aqueles que possam dirigi-lo melhor!...
      Daqui – é inútil mesmo notá-lo – a viciação completa do voto, a sofismação imoral de todo o sistema político, a inconsciente degradação dos eleitores que, sem conhecerem o alcance ou a significação do amplo poder que possuem, o vendem a quem lhes satisfaça alguma das humildes e egoísticas ambições, que podem caber em ânimos tão infelizmente embrutecidos.


CARTA 17 – A mulher moderna na obra de Balzac
      Cada homem de génio tem a sua galeria de figuras típicas, que ficam vivas e perduráveis no coração e na memória das gerações que se vão sucedendo. [...]
      Balzac é o mais extraordinário e original escritor dos tempos modernos. O realismo, essa escola da qual no seu tempo ainda se não conhecia o nome, foi ele quem a inventou; os processos que ela hoje reclama como suas, foi ele o primeiro que os pôs em prática; as suas belezas e os seus defeitos, o que ela tem de grande e o que ela tem de imperfeito, avultam na obra colossal do criador de Pére Goriot e de Eugénie Grandet.
      Balzac foi o primeiro escritor verdadeiramente realista, e como só procurava a verdade sem que nenhuma preocupação de escola, nenhuma opinião antecipada o influenciasse, os seus quadros têm todos os toques sublimes ou pungentes da realidade. [...]
      Os nossos netos, quando ouvirem falar deste século sem predecessores na história e que apresenta em si as mais absurdas e inexplicáveis contradições; quando consultarem as montanhas de documentos, de factos, de informações, de relatórios, mais ou menos precisos, que hão-de constituir os seus extraordinários anais, sentir-se-ão deveras perplexos diante dessa estranha confusão de ciência e de ignorância, de cepticismo e de credulidade, de teorias sublimes e de práticas indignas; de boas doutrinas e de péssimas acções, de monstruoso egoísmo e de abnegação heróica, de sacrifícios admiráveis feitos em prol dos mais mesquinhos interesses, de ambições desregradas postas ao serviço das causas mais vis, de talento poderoso aplicado à satisfação de desejos degradantes; caos assombroso, mundo apocalíptico, onde ora se debatem nas trevas todas as paixões ruins da humanidade, ora relampejam a espaços clarões de momentâneo e fugaz incêndio. [...]
      O homem nunca teve mais ciência, mais liberdade, mais gozos materiais e espirituais; nunca pôde desenvolver mais livremente as suas faculdades complexas, as suas faculdades riquíssimas; nunca pôde encaminhar o seu destino mais consciente do ponto onde partia, e do fito a que vai dirigindo; nunca teve sistemas mais definidos sobre a família, sobre a moral, sobre o dever… Porque é pois que o homem vacila, porque sofre, porque é hoje mais desgraçado e mais triste do que no tempo em que o seu corpo sucumbia ao peso das férreas armaduras e a sua alma sob a pressão das sombrias superstições, em que ele se curvava, escravo da gleba, escravo do fanatismo, escravo da prepotência dos outros homens, e das fatalidades invencíveis de uma natureza hostil? [...]
      O século XIX, apesar de todas as suas visíveis e raras grandezas, não é mais do que uma quadra de transição. [...]
      A filosofia levanta-o, a história elucida-o; a crítica classifica-lhe as ideias, põe ordem e método na sua desordenada fantasia, e ele, o homem moderno, o conquistador, o rei, o semideus, põe de lado com dolorosa tristeza os tesoiros que lhe oferecem, e só pede à sua inteligência iluminada e fortalecida o meio de alcançar, seja a que preço for, o oiro que baste a criminosa cobiça dos seus sentidos. [...]

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