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Excertos de Cartas a Luísa (parte 4)

31/08/2014

Os excertos seguintes foram retirados do livro Cartas a Luísa, de Maria Amália Vaz de Carvalho. Sendo um livro sobre a sociedade oitocentista (e a condição feminina nessa mesma sociedade), algumas premissas serão anacrónicas, mas outras serão bem actuais.

Sophia Kramskaya Reading, de Ivan Kramskoy. Imagem daqui.

CARTA 20 – A emancipação da mulher à luz da fisiologia
     A educação, segundo uma definição moderna, é a evolução harmoniosa e igual das faculdades. É um método fundado sobre a natureza do espírito para desenvolver todas as faculdades da alma, despertar e nutrir os princípios da vida, evitando qualquer cultura exclusivamente parcial que perturbe a harmonia do conjunto, levando em conta todos os sentimentos que constituem a força e o valor humano. [...]
     O positivismo inunda-nos por toda a parte, mas essa teoria, que é talvez o egoísmo erigido em dogma, não conseguiria, sendo superiormente e inteligentemente aplicada, pôr o homem de acordo consigo mesmo e de acordo com o seu semelhante.

CARTA 19 – O pessimismo contemporâneo
     O pessimismo está sendo uma fase quase geral do espírito moderno.
     E o pessimismo é de todos os estados mentais o mais nocivo, o mais esterilizador, o mais dissolvente. [...]
     Mas não é a literatura que tem a culpa deste estado.
     Os escritores, seja qual for a potência cerebral de que os haja dotado a natureza, não fazem mais do que formular a lei que encontram feita; traduzir o sentimento que faz vibrar a alma, sua contemporânea; dar cor, brilho, forma durável e encantadora à ideia que paira sobre a sua raça na hora em que eles passam.
     Quando muito, o que eles podem é antever o momento próximo em que um determinado estado mental ou social tem de alterar-se, modificar-se, transfigurar-se mesmo em virtude da eterna evolução que arrasta a humanidade. [...]
     Geralmente, porém, a literatura e a arte são reflexo nosso, não são a nossa inspiração. [...]
     A melancolia é velha como a vida, porque o homem, começando a viver, começou a desejar e a encontrar diante de cada desejo o impossível…
     Sempre, a cada uma das nossas ambições de felicidade, corresponde o estorvo da natureza ou o estorvo da lei.
     Sempre, diante de cada ardente exigência da nossa alma ou da nossa organização, se ergue o supremo obstáculo, que lhe levanta o destino implacável, ou a humanidade injusta, algoz eterno de si mesma.
     Ou não podemos possuir o que desejamos – glória, riqueza, poderio ou amor – ou de o possuirmos penetra em nós a agonia incomportável da saciedade, do desencantamento e do tédio!
     Daí a melancolia, que está no fundo de cada um dos nossos fugitivos gozos, daí o desequilíbrio entre a ansiedade da cobiça e o prazer da satisfação triunfante. [...]
     A melancolia não é pessimismo.
     Ela inspira-nos, não nos esteriliza. [...]
     Vida e morte não podem separar-se nunca; o reflexo lúgubre que uma dá enubla e entenebrece toda a claridade que há na outra.
     Nunca o que viu morrer tornou a sentir uma alegria sem nuvens, uma satisfação plena e completa. E nós vemos morrer em torno de nós tudo que amamos, desde que abrimos os olhos à luz e o cérebro ao pensamento.
     Em cada ser vivo, a morte está continuamente exercendo o seu labor sem tréguas.
     De todas as dores a que o coração humano é acessível, a maior, porque é a mais refinada e a mais complexa, é a que ele sente olhando para dentro de si próprio e vendo que tudo que ele julgou eterno se vai desfazendo lentamente, perpetuamente, sob a corrosiva acção da grande inimiga…
     Sobrevivemos aos que amamos e ficamos tristes… sobrevivemos a nós mesmos e nada nos consola… [...]
     [...] que a vida seja tão feia, tão triste, tão cruel; que ela tenha a doença que aperta e contorce os músculos e os ossos, que paralisa os nervos, que apaga o entendimento, que sabe torturas meditas ao pé das quais os cavaletes da inquisição são brincadeiras infantis; que ela tenha a maldade, a ingratidão, as mil formas da traição, os mil requintes da dúvida, as mil agonias do desespero; todas as angústias, todos os suplícios, todos os estertores, todos os gritos de raiva, e que ainda assim nós lhe queiramos tanto! [...]
     Mas enquanto existe um vislumbre de vida, existe o dever de lutarmos pelo seu prolongamento.

CARTA 21 – Quem são os pobres?
     [...] ora, hoje, as únicas novidades possíveis em assuntos literários são as novidades da forma. Tudo está mais ou menos dito, a diferença vem quase toda do modo por que se diz.

CARTA 22 – Os excessos do naturalismo
     E a literatura é, ao mesmo tempo, o reflexo dos costumes de cada época e um dos factores mais importantes que os determina.


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