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Contos Comédia Social (vários autores)

20/07/2014

*Este livro faz parte da colecção Biblioteca de Verão (2011), do DN/JN.
*O texto tem spoilers.


Capa do livro. Imagem daqui.
Na mó de cima, de James Thurber
Havia quase dois anos que ela o atormentava. Nos corredores, no elevador, até no seu próprio gabinete, por onde ela irrompia de vez em quando, qual cavalo de circo, atirando-lhe constantemente estas perguntas idiotas: - Está-se a armar aos cágados? Está a espirrar canivetes? Está a pregar no deserto? Está a jogar a pedra e a esconder a mão? Está na mó de cima?
Um funcionário exemplar e uma mulher que engata o patrão da empresa e atormenta a vida aos seus empregados. Mr. Martin, o tal funcionário exemplar, engendra um plano para afastar a mulher irritante da empresa.

A primeira parte do plano consiste em ir à casa da mulher. Parece-me que Martin pensou em matar a pobre coitada – facto comprovado por ter experimentado uma faca de cortar envelopes no seu próprio pulso; para sorte da mulher, a faca não estava devidamente afiada.

É tempo de Martin pôr em acção o plano B. Começa a fumar, aceita o whisky que a mulher lhe ofereceu, vitupera contra o patrão, dizendo mesmo que o irá matar, e admite consumir heroína. A mulher expulsa-o de sua casa.

No dia seguinte, a mulher conta ao patrão, Mr. Fitweiler, o sucedido. Tendo em atenção o historial digno de Martin, o facto de ele não ter vícios de nenhuma espécie, quer seja beber, fumar ou consumir drogas e tendo também em consideração o seu cumprimento para o trabalho, Mr. Fitweiler chega à conclusão que a mulher teve um esgotamento e que não está em condições de trabalhar na empresa.

Mr. Martin conseguiu cumprir o seu objectivo sem ter de fazer muito esforço – isto se considerarmos que uma vida inteira de rectidão não é um esforço…

*Mais sobre este conto aqui.


O nível de vida, de Dorothy Parker
Annabel e Midge saíram do salão de chá com o modo de andar arrogante e demorado próprio dos ociosos, pois a tarde de sábado de ambas espreguiçava-se à sua frente.
Esta história conta-nos sobre duas amigas e colegas de trabalho que fazem um joguinho que consiste, basicamente, em imaginar como gastariam um milhão de dólares – com a condição de os gastar somente nelas próprias, dispensando dos gastos a família, os amigos, os conhecidos, os amores ou o que ou quem quer que fosse.

Num passeio, vêem numa montra um colar de pérolas deslumbrante. Não conseguindo descobrir o seu preço, entram na loja e averiguam. O colar custa 250 mil dólares – um quarto de milhão, uma exuberância. A partir desse dia, Midge decide mudar as regras do jogo: em vez de um milhão, passariam a dispor de 10 milhões de dólares. Sonhar não custa, não é verdade?

Quer-me parecer que este conto é uma crítica a quem pretende atingir um certo nível social (nível de vida), deixando de lado outros aspectos importantes da condição humana (amor, amizade, etc.). Em suma, uma crítica a quem é fútil e materialista a esse ponto.



O colar de pérolas, de William Somerset Maugham
-Aconteceu a uns amigos meus. É inteiramente verídica.
-Isso não abona nada em seu favor. Uma história verídica nunca é tão verdadeira como as inventadas.
Em poucas palavras, este conto relata a história de como uma preceptora foi suficientemente inteligente para garantir o seu futuro. A preceptora, de seu nome Miss Robinson, comprou um colar de pérolas que, obviamente, era falso, pois não tinha rendimentos para comprar pérolas verdadeiras.

Acontece que o fecho do seu colar estragou-se, tendo que levá-lo à loja onde o comprou para o arranjar. Naquela mesma loja estava um colar de pérolas verdadeiro. O funcionário troca os colares e devolve à preceptora não o seu colar falso, mas o da outra senhora.

O erro é rapidamente corrigido. Dois funcionários da loja vão à casa da patroa de Miss Robinson e trocam os colares, com o devido pedido de desculpas e um cheque de 300 dólares pelo inconveniente.

A patroa insiste para que Miss Robinson invista o dinheiro, mas esta decide gastá-lo e viver umas semanas como uma senhora rica. O que acontece é que, indo de férias, engata um milionário e vai viver para Paris. Em Paris, pelo que se consta, engata outros milionários, fazendo a sua riqueza e vivendo nos maiores dos luxos. De facto, o cheque de 300 dólares foi investido…


Uma rapariga de Red Lion, P.A., de H.L. Mencken
Se tivéssemos mais tempo, eu próprio lhe traria alguns livros mais recentes e apontava-lhe as passagens que mostram como os princípios morais mudaram. A única coisa que agora não é encarada com muito bons olhos é ser-se apanhado. Não sendo esse o caso, a justiça é virtualmente silenciosa no que respeita ao assunto.
Este conto baseia-se na inocência de uma rapariga provinciana. Tendo lido livros de amor de outros tempos, quando faz algo a mais com o seu noivo, parte para a cidade mais próxima, com o objectivo de prostituir-se, pois era esse o único destino que lhe restava, segundo os livros que lia com o seu noivo.

Fizeram-lhe ver que, se ninguém sabia do sucedido, não havia nada a temer, pelo que a rapariga regressou a casa. Moral da história: a justiça social só será feita se o crime for conhecido.
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