*O texto tem spoilers.
A cena de desespero quando Charles Darnay é condenado à guilhotina. |
História de Duas Cidades foi editada pela primeira vez em 1859 e tem como “cenário” a Revolução Francesa, nos períodos pré-revolucionário e revolucionário, sendo que Dickens aponta unicamente neste seu romance os aspectos injustos, vingativos e arbitrários da Revolução.
O autor teve como inspiração, chamemos-lhe assim, a obra The French Revolution, de Thomas Carlyle, pelo que História de Duas Cidades tem um forte teor realista e mesmo histórico: efectivamente, o romance de Dickens foca os problemas sociais e políticos vividos antes e durante a Revolução Francesa, podendo mesmo ser tomado como uma fonte historiográfica (desde que analisada com as devidas ressalvas).
Alguns teóricos literários afirmam que, precisamente por ter escrito sobre a Revolução Francesa, Dickens estava preocupado com os problemas sociais da Inglaterra oitocentista, ou seja, que a precariedade do operariado inglês levasse a uma revolução com as consequências da revolução de 1789. Contudo, esse receio era infundado, já que em Inglaterra o operariado não fez mais do que pequenas sublevações (como o cartismo), para além de o país ser politicamente estável.
Era o melhor de todos os tempos, era o pior de todos os tempos, era a idade da sabedoria, era a idade do disparate, era a época da fé, era a época da descrença, era a estação da Lua, era a estação da Treva, era a primavera da esperança, era o inverno do desespero, tínhamos tudo à nossa frente, não tínhamos nada à nossa frente, íamos todos direitinhos para o Céu, íamos todos direitinhos no sentido oposto - em suma, a época era tão semelhante à atual que algumas das suas mais espalhafatosas autoridades insistiam em ser aceites, para o bem ou para o mal, apenas no grau superlativo da comparação.Talvez este seja o início mais épico da história da literatura.
Assim, o livro não fala apenas sobre os problemas franceses, mas da estabilidade e segurança inglesas, contrastantes com a situação vivida na França. Porém, não é somente de História que escreve Dickens. O livro é bastante literário, tendo uma narrativa de amor, vingança, sacrifício e amizade.
A história propriamente dita começa com a libertação do Dr. Manette da Bastilha, dezoito anos depois do seu aprisionamento por ter sabido das acções despóticas de um nobre francês sobre os seus subordinados.
Anos depois, a sua filha casa-se com Charles Darnay (antes Evrémonde), francês residente em Inglaterra e sobrinho do sobredito nobre. Charles já foi acusado e julgado por traição em Inglaterra, tendo escapado à morte devido aos advogados Mr. Stryver e Sydney Carton, este último tornando-se amigo da família.
Um dia, Charles Darnay é chamado à França para ajudar o empregado do seu tio, que mais cedo ou mais tarde será morto pelos revolucionários. Acontece que, quando Darnay chega à França, é preso por ser estrangeiro, mas é libertado pela influência do Dr. Manette, entretanto chegado ao país, acompanhado da sua filha e de Mr. Lorry (amigo que ajudou na libertação de Dr. Manette).
O verdadeiro problema é quando Charles Darnay é acusado de ser inimigo da República Francesa (durante o Terror jacobino), precisamente por ter ascendência nobre, sendo condenado à guilhotina. Darnay consegue escapar à guilhotina porque Sydney Carton é guilhotinado no seu lugar, pois eles eram fisicamente parecidos.
O livro acaba assim, com o sacrifício de Carton que, segundo Rignall, pode ser considerado como uma quebra do processo histórico violento resultante da Revolução Francesa. Aliás, é todo este processo histórico, e não o facto histórico em si, que Dickens narra no seu livro.
O autor considera a Revolução Francesa como um acto de vingança do povo, pelos seus inúmeros anos de opressão, sofrimento e injustiças, ao contrário de Carlyle, que considera a violência da Revolução como sendo justa. Percebe-se o desejo de vingança do povo e, para Dickens, essa foi a reacção normal ao seu sofrimento, porém o autor não vê estes actos como sendo éticos, podendo mesmo servir como motivo a mais sofrimento/vinganças: na sua perspectiva, a violência apenas gera mais violência, a crueldade gera mais crueldade, a arbitrariedade gera mais arbitrariedade.
Em suma, pode considerar-se que Dickens, neste seu livro, não só é um brilhante escritor, mas também um historiador preocupado com os problemas sociais vividos no seu país.
Mais sobre o livro:
CLÁSSICO - Um conto de duas cidades - Charles Dickens, na Biblioteca Empoeirada.
Dickens - Um conto de duas cidades, no Rosebud.
História de Duas Cidades - Charles Dickens, no Dos Meus Livros.
História de Duas Cidades - Charles Dickens, no Geocrusoe.
História de duas cidades - Charles Dickens, no Great Minds Think Alike.
Literatura, história e memória em Um conto de duas Cidades de Charles Dickens, na revista Darandina.
As ilustrações do livro podem ser vistas aqui, de onde, aliás, a imagem acima foi retirada.