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Contos Imaginários (vários autores)

09/02/2014

Capa do livro. Imagem daqui.

*Este livro faz parte da colecção Biblioteca de Verão (2011), do DN/JN.
*O texto tem spoilers.

Finis, de Frank L. Pollack

Um conto que trata do fim da nossa existência, do fim da Terra, do fim dos tempos, todos estes fins causados por uma estrela que mais não é do que um Sol de proporções gigantes e que é o centro do universo. Toda a narrativa relata não só as tragédias causadas por esse Sol (um calor incomensurável, dilúvios, desabamento de edifícios…), mas também o horror que as pessoas sentem (é-nos descrito que Nova Iorque inteira está aos gritos e a correr pelas ruas).

Nunca tinha lido alguma coisa do chamado género de ficção científica, mas a conclusão que chego, relativamente a este conto e o que se segue abaixo, é que têm valor literário (mensagem, lição de vida, epifania, o que se quiser chamar). No caso de Finis, a mensagem é que a humanidade e os seus respectivos avanços tecnológicos são impotentes perante as forças da natureza e perante a morte – e o conhecimento científico de pouco serve nestes momentos.

– Pense que – disse ela com um ar sonhador – há mil anos que esta onda de calor se tem estado a aproximar de nós, enquanto a vida pelo mundo se desenrolava feliz, completamente inconsciente de que o mundo sempre esteve condenado. E agora é o fim da existência.
– Não sei – disse Eastwood, lentamente. – Pode ser que seja o fim a humanidade, mas deve haver algumas formas de vida que consigam sobreviver. Talvez alguns microrganismos capazes de resistir a temperaturas elevadas, até mesmo superiores. De qualquer modo ficará a semente da vida e isso já é alguma coisa. A evolução recomeçará produzindo novas estirpes adaptadas às condições que agora se alteraram. Quem me dera poder ver que criaturas viverão por cá dentro de uns milhares de anos. Não consigo compreender de modo nenhum… esta coisa – exclamou, apaixonadamente, após uma pausa. – É real? Ou endoidecemos todos? Parece-se demasiado com um pesadelo.

O Caminho da Cruz e do Dragão, de George R.R. Martin

Este é um conto que, mais do que relatar as acções de um inquisidor do futuro que viaja entre planetas para combater as heresias, é quase um tratado filosófico sobre a religião. A história é simples: um inquisidor visita a sede de um culto que fez de Judas (aquele que é considerado traidor) um santo.

O interessante é que o fundador desse culto (que faz parte de uma organização que inventa fés) considera-o necessário, independentemente de ser mentira, porque as pessoas são felizes ao acreditarem nele. Por outras palavras, todo o fundamento e o propósito da religião (de qualquer religião, diga-se) são postos em causa – e até o próprio inquisidor teve certeza de que a sua fé continha mais dúvidas que verdades.

A questão é a seguinte: há várias religiões e qualquer uma delas é válida, porque atende as necessidades de um certo grupo de indivíduos (a relutância e a indiferença do inquisidor ao fazer a sua missão revelam isso). Mas serão essas religiões poços de verdade? Serão os factos que pregam verdadeiros? Será que o ser humano precisa da fé para explicar o que se passa à sua volta? Será que, considerando a hipótese de qualquer religião ser mentira, é melhor a fé do que a verdade? A resposta é variável de pessoa para pessoa.

– Tocou no âmago da questão – continuou Lukyan. – As verdades, as grandes verdades, – e a maior parte das pequenas também, – são insuportáveis para a maior parte dos homens. Encontramos a nossa salvaguarda na fé. Na sua fé, na minha fé, em qualquer fé. Não importa, desde que acreditemos, realmente e verdadeiramente acreditemos qualquer que seja a mentira a que nos agarramos. […] Os nossos psicos sempre nos disseram que os felizes são os crentes, sabe. Podem acreditar em Cristo ou em Buda ou na Erika Stormjones, na reencarnação ou na imortalidade ou na natureza, no poder do amor ou no programa eleitoral de uma facção política, mas vai dar tudo ao mesmo. Eles acreditam. Eles são felizes. São os que já viram a verdade, que desesperam e que se matam. As verdades são tão vastas, as fés tão poucas, tão mal feitas, tão emaranhadas de horror e de contradição que vemos à volta delas, através delas, e depois sentimos o peso da escuridão em nós e já não podemos ser felizes. […] Ora pense. Conhecemos a verdade pelo instrumento cruel que é. A beleza é infinitamente preferível à verdade. Nós inventamos verdades. Fés, movimentos políticos, altos ideais, crenças no amor e na camaradagem. Todas elas são mentiras. Nós contamos essas mentiras, entre outras, muitas outras. Nós superamos a história e a mitologia, a religião, tornamos cada uma delas mais bonita, mais fácil de acreditar. […] Sabe, na verdade, tudo se resume à fé. Consegue saber com toda a certeza o que é que aconteceu há três mil anos? Você tem um Judas, eu tenho o outro. Os dois temos livros. O seu é verdadeiro? Acredita nisso com toda a certeza?
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