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O Homem Duplicado, de José Saramago

03/01/2013

*Antes de mais nada, espero que os leitores tenham tido um bom Natal e que tenham, igualmente, um bom ano.

Capa do livro encontrada aqui.
 *O seguinte resumo contém spoilers.

Tertuliano Máximo Afonso é um professor de História do ensino secundário que, sofrendo de uma depressão, aceita a sugestão algo insistente do seu colega professor de Matemática e aluga um filme chamado Quem Porfia Mata Caça, de maneira a distrair-se, a abster-se das suas tristezas.

O filme não lhe aquece nem lhe arrefece, pelo que vai para a cama dormir. Acorda a meio da noite com a sensação de que alguém está em sua casa – mas não passa de uma impressão causada pela televisão e pelo filme. Decide rever o filme, esperançoso de que a causa da impressão se revele, quando, nem passados 20 minutos, vê um actor que é igual a si, sendo que «nem o próprio Tertuliano Máximo Afonso saberia dizer se o sono tornou a abrir-lhe os misericordiosos braços depois da revelação tremebunda que foi para ela a existência, talvez nesta mesma cidade, de um homem que, a avaliar pela cara e pela figura em geral, é o seu vivo retrato».

Desde esse momento, o homem fica perturbado e insiste em descobrir a identidade do actor (chamado António Claro, sendo Daniel Santa-Clara o seu nome artístico) – o que chega a fazer, apesar de todas as advertências do seu Senso Comum. Fala com o actor por telefone, que fica incrédulo, e concordam, os dois, encontrar-se.

Nesse encontro, verificam que são exactamente iguais: o rosto, o corpo, os sinais, as cicatrizes, as próprias impressões digitais. Resta agora saber o fundamental: quem é o original e quem é a cópia. Tertuliano Máximo Afonso descobre, talvez da pior maneira, que não passa do duplicado de António Claro.

Tertuliano Máximo Afonso chega mesmo a acreditar que a história acaba por aqui, só que, numa tentativa inconsciente de triunfar sobre o original, envia-lhe a barba postiça que usou nas suas missões de reconhecimento no bairro onde mora o actor – facto perturbante, tanto para António Claro como para sua esposa, Helena.

Passados dias, António Claro bate à porta de Tertuliano Máximo Afonso e anuncia-lhe que vai passar-se por ele e dormir com a sua noiva, Maria da Paz – ou isso, ou contar-lhe a verdade, a fenomenal história que Tertuliano Máximo Afonso lhe escondera.

Resignado com a situação, o professor aceita a proposta de António Claro, ficando um com a roupa, documentos, acessórios e carro do outro. Tertuliano Máximo Afonso não fica de braços cruzados, já que, por sua vez, se faz passar pelo actor e dorme com Helena.

Decide, na manhã seguinte, esperar por António Claro e ver, ao vivo, o seu triunfo, porém o outro não chega, e nem voltará a chegar. Exasperado pela espera, Tertuliano Máximo Afonso vai a uma cabine telefónica e telefona para casa de Maria da Paz, onde uma voz que lhe era desconhecida informa que a senhora morreu, com o seu noivo, num acidente de automóvel.

Está ali, vivo, mas para o resto da humanidade quem morreu foi ele próprio... mais a sua noiva, agora mais amada por ele. Tertuliano Máximo Afonso conta a sua história à mãe, desta vez de maneira detalhada e resolve contar o sucedido a Helena.

Ouvindo a estranha sucessão de factos, Helena propõe que Tertuliano Máximo Afonso substitua, de aquele momento em diante, o seu falecido marido – proposta que o professor aceita.

Sentado no sofá do seu novo lar, o telefone acontece de tocar, e do outro lado da linha está um homem com uma voz igual à sua, a perguntar por Daniel Santa-Clara, a relatar a estranhíssima coincidência de serem, eles dois, duas pessoas iguais.

Tertuliano Máximo Afonso vai de encontro a esse homem e leva a pistola de António Claro carregada.

Não se consegue pôr de lado, deixa-nos com o estômago às voltas a imaginar alguém do lado de fora da janela quando as luzes estão apagadas.
Palavras certíssimas e peremptórias de Poornima Mohandas [cit. por Fundação José Saramago - original aqui], falando d’ O Homem Duplicado. Inquietante seria, talvez, um adejectivo correcto para descrever a história de um homem que perde a essência do seu ser ao descobrir um outro homem em tudo igual a si: um perfeito duplicado, uma obra magistral da natureza.

Porém, não há adjectivos que consigam descrever plenamente esta narrativa: cada leitor terá o seu, da mesma maneira que cada leitor deste romance teria uma reacção diferente ao descobrir uma pessoa idêntica a si, não tendo eu muitas dúvidas que o desfecho da situação seria igual para todos.

Aliás, esta não deixa de ser uma questão pertinente: que faríamos nós, educados a pensar que somos únicos, irrepetíveis, se descobríssemos outra pessoa igual a nós, sendo nós a cópia? Que seria da nossa essência, que seria da nossa personalidade, que seria da nossa vida? Como lidar com o medo da possibilidade de essoutro roubar o que é nosso, os nossos amigos, os nossos familiares, os nossos amados? Como aguentar o terror da probabilidade de o outro fazer-nos a vida negra? Como suportar o facto de ser-se cópia?

São estas questões que este romance tenta elucidar, é a perda do ser (uma questão de identidade, portanto) que só tem uma única solução: matar ou morrer num mundo sem espaço para duplicados, sem espaço para duas pessoas iguais.
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