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A edição número 1 da revista é recheadíssima de óptimo conteúdo, com alguns artigos pertinentes de crítica social que, nas suas linhas gerais, continuam a ser actuais. No que toca à poesia, encontrava-se lá, entre outros, este poema de Renato de Caldevilla que aqui transcrevo (com a grafia da época).
Sinto-me perseguido pelo ódio…
Eu quero odiar tudo e todos,
Porque só me sentirei bem entre o ódio;
O ódio como meu único amigo,
O ódio como razão do meu ser,
O ódio a alimentar o meu sangue,
A embriagar a minha dor…
Como é bom poder-se odiar!
Só ódio pode haver em mim!
Eu posso odiar como ninguém,
Posso odiar e despresar,
Pulverizar tudo o que me rodeia,
Porque o ódio pulveriza corações… ilusões…
O ódio é um amigo que nos acompanha pelo deserto da ingratidão!
Mas se um dia encontrar neste meu ódio,
Refrigério de uma ilusão que perdi,
Então terei odiado como jamais alguém odiou!
Só então direi adeus ao ódio.
Só então ao despedir-me dele sentirei saudades,
Porque ele foi meu amigo, um amigo caro!
E irei com ele até à estação a que chamam Caridade, vê-lo partir.
E depois, não poderei abandonar essa estação com saudades!
E ouvirei o silvo que não é dele, mas que me diz que se afasta!
E o fumo passará, passarão os tempos e eu ficarei…
E só verei então fumo…
E uma voz chamará por mim…
É ela… Corro, mas as minas pernas ficam inertes…
E ela quer que eu vá, mas não posso… Olharei para o tempo!
Tempo infinito marcado pelo grande relógio da estação Caridade!
Só então saberei que não há horas… que o comboio partiu…
E o ódio foi também.
E eu não poderei sair de onde estou…
Larga-me oh preconceito estúpido,
Larga-me oh terrível mão que não deixas ir para ela!
E sufoco… estouro… rebento…
Mas palavras segredam-me muito baixo…
Ódio… ódio… ódio…
Para quem quiser ler mais da obra do poeta, pode sempre verificar o índice da Versiones, uma revista literária de divulgação de trabalhos da área em português e castelhano, na qual foi colaborador.