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O Último Dia de um Condenado, de Victor Hugo

24/12/2011

VI

     Pensei comigo:
    Visto que posso escrever, porque não o farei? Mas escrever o quê? Metido entre quatro paredes de pedra nua e fria, sem liberdade para os meus passos, sem horizonte para os meus olhos, como uma distracção, maquinalmente ocupado durante o dia em seguir a marcha lenta desse quadrado esbranquiçado, que a grade da porta recorta na minha frente, sobre o muro sombrio, e, como já disse, sozinho com uma ideia, de crime e de castigo, de assassínio e de morte, poderei eu ter qualquer coisa para dizer, eu que já nada tenho a fazer neste mundo? E que encontrarei eu neste cérebro desanimado e vazio, que valha a pena ser dito?
   Porque não? Se tudo à minha volta é monótono e descolorido, não há em mim uma tempestade, uma luta, uma tragédia? Esta ideia fixa, que me envolve, não se apresenta a cada hora, a cada minuto, sob uma nova forma, sempre cada vez mãos horrível e mais sangrenta, à medida que o fim se aproxima? Porque não tentarei dizer a mim próprio tudo o que sinto de violento e de desconhecido, na situação abandonada em que me encontro? (…)
   E depois, o que eu escrever assim, não será talvez inútil. Este diário dos meus sofrimentos, hora por hora, minuto por minuto, suplício por suplício, se tiver forças de o levar até ao momento em que for fisicamente impossível continuar esta história, necessariamente incompleta, mas tão completa possível, das minhas sensações, não terá consigo um grande e profundo ensinamento? Não haverá neste libelo do pensamento agonizante, nesta progressão sempre crescente de dores, nesta espécie de autópsia intelectual de um condenado, mais alguma coisa que uma lição para aqueles que condenam? Talvez esta leitura lhes torne a mão menos leve, quando se tratar uma vez de mandar cortar uma cabeça que pensa, uma cabeça de homem, naquilo que lhes chamam a balança da justiça? Talvez não tenham pensado nunca, não tenham reflectido, os desgraçados, nesta lenta sucessão de torturas, que contém a fórmula respectiva da sua condenação à morte? Se alguma vez se detiveram nesta ideia pungente, que no homem que condenam há uma inteligência que contava viver, uma alma que não se dispôs para a morte? Eles não vêem em tudo isto senão a queda vertical dum cutelo triangular e pensam sem dúvida que para o condenado nada há antes nem depois.
   Estas páginas desenganá-los-ão.

XXXIX

     Eles dizem que não é nada, que não se sofre, que há um fim sereno e a morte desta maneira é muito simplificada.
    O que é então esta agonia de seis semanas e este estertor dum dia inteiro? O que são as angústias deste dia irreparável, que desliza tão lentamente e ao mesmo tempo tão depressa? O que é esta escala de tortura, que vai acabar ao cadafalso?
     Aparentemente, isto não é sofrer.
    Não são as mesmas convulsões, quando o sangue se esvai gota por gota ou a inteligência se extingue pensamento a pensamento?
    E que certeza têm eles de que não se sofre? Quem lhes disse?
   Sucedeu alguma vez uma cabeça guilhotinada levantar-se, sangrenta, à beira do cadafalso e gritar ao povo: «Isto não faz mal.»?
   Há alguns mortos desta maneira que tenham vindo agradecer-lhes e dizer-lhes: «Foi uma boa invenção. Conservem-na. O mecanismo é bom.»?
   Foi Robespierre? Ou Luís XVI?
  Não, nada! Em menos dum minuto, em menos dum segundo, está a coisa feita. Puseram-se eles, ao menos só em pensamento, no lugar daquele, que lá está, no momento em que o pesado cutelo, que cai, morde a carne, retalha os nervos, quebra as vértebras… Mas o quê! Um meio segundo, a dor é rápida… Que horror!

*Feliz Natal para os nossos leitores.
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