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A Criada Zerlina, de Hermann Broch

17/05/2011

“Era uma emoção sincera, e no entanto falsa”

Hermann Broch nasceu em 1886, na Áustria, e foi um dos mais célebres escritores modernistas do século XX. Foi, inclusive, nomeado para o Prémio Nobel.

A Criada Zerlina é um livro que nos conta a vida amorosa da criada Zerlina, da sua patroa e do respectivo amante, ou seja, um triângulo amoroso em que duas mulheres partilham o mesmo homem.

Apesar de Zerlina estar a contar a sua história a um interlocutor, que apenas é referido como A., a modos de o prevenir a não se envolver com mulheres daquela família (pois são vazias, segundo a própria), o diálogo mais parece um monólogo, uma lição de vida que ela dá a A..

Zerlina é criada desde muito nova e, por isso mesmo, não pôde ser mulher. A partir daqui e da revelação de que a filha da patroa é bastarda, conta a sua atribulada história de amor, que envolve o patrão (que sempre o amou, ainda que só tenha apercebido disso muito tarde), o amante da patroa (que pensava que amava) e imensos criados, companheiros de profissão.

A criada age como que impulsivamente, diria até que sentimentalmente, em prol do seu amor pelo amante da patroa. Apesar das suas acções menos correctas (como ler as cartas da patroa), tentando fazer algo de bom para si própria, e de agir à base de sentimentos vingativos (como entregar cartas que comprometem a patroa ao seu marido), Zerlina consegue aprender uma lição e a arrepender-se do que fez, no momento em que o amante enfrenta a forca sob acusação de ter morto a sua esposa.

Não há muito mais que dizer deste livro, desta história. As peripécias, as aventuras, os sentimentos, a loucura e lucidez de Zerlina só podem ser compreendidas se forem lidas, tal a beleza da escrita de Broch – coloquial e, ao mesmo tempo, tão complexa. Interessante, também, é ler passagens que nos põem a reflectir profundamente (função de um bom livro).

(…) se não houvesse este vazio, o inesquecível não poderia desenvolver-se. O esquecimento transporta o inesquecível nas suas mãos vazias e nós somos transportados pelo inesquecível. Nós alimentamos o tempo, alimentamos a morte com tudo o que foi esquecido. Mas o inesquecível é um presente, é um presente que a morte nos dá, e no momento em que nós o recebemos estamos ainda neste momento aqui, onde nos encontramos, mas ao mesmo tempo estamos já além, lá onde o mundo se precipita na escuridão. O inesquecível é um pedaço do futuro, um pedaço do intemporal com que fomos presenteados antecipadamente, que nos transporta e suaviza a nossa queda nas trevas como se fosse um deslizar. (…) Mas não, não tem nada a ver com o amor, e ainda menos com o chorrilho sentimental. Muitas coisas se podem tornar no inesquecível, nos podem transportar acompanhando-nos, nos podem acompanhar transportando-nos sem que nunca tenham sido o amor, e sem que nunca se pudessem tornar no amor. O inesquecível é um momento de maturidade, produto de outros infinitos momentos, de infinitas semelhanças que o precederam, infinitamente numerosas, que os transportam. E o momento em que sentimos que, formando, somos formados, fomos formados, que existimos.

*Na imagem: o autor.
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