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Húmus, de Raul Brandão

19/01/2014

Capa da 3ª edição. Imagem daqui.


«O pior é que se passa no silêncio». Húmus, segundo o dicionário de língua portuguesa, é a «camada superior do solo, composta especialmente de matéria vegetal decomposta ou em decomposição». Neste livro, de cariz existencialista, a premissa é a de que a vida não passa de húmus, superficial e em decomposição – uma coisa insignificante, sem importância.

Debaixo destes tectos, entre cada quatro paredes, cada um procura reduzir a vida a uma insignificância. Todo o trabalho insano é este: reduzir a vida a uma insignificância, edificar um muro feito de pequenas coisas diante da vida. Tapá-la, escondê-la, esquecê-la.

Para o autor, a vida é uma farsa, sendo que nem nós próprios conhecemos o que realmente somos e, quando o descobrimos, é tudo um espanto – aliás, vivemos de mentiras, mais das que contamos a nós mesmos do que as que contamos aos outros. O livro está carregado destes sentimentos de tristeza, de pavor, da procura de Deus, de adoração da morte como salvação – teremos medo de viver e será por isso que não o fazemos?

Que posso eu contra a vida? E se me recuso, se luto, que me espera? A renúncia? A estúpida renúncia, e cada minuto que passa me aproxima do nada, me leva, queira ou não queira, para o nada? Na cova, na podridão, desfeito em pó, arrastado por todos os ventos, daqui a um século, daqui a milhares de séculos, ainda todas as partícula do teu ser, que não soubeste impregnar de vida e alimentaste de simulacros, te hão-de pregar: - Estúpido! Estúpido!
(...)
Remorsos? Eu não tenho remorsos. Dúvidas? Eu não tenho dúvidas. Desde que te vi – vi o Universo. Compreendi tudo. Compreendi que não tinha vivido e que toda a minha existência tinha sido fictícia – que mais valia um minuto na vida, que cem anos de vida. Que só há uma hora na existência e que é preciso aproveitá-la. Que tudo é simulacro e só tu és a verdade. E apercebi o Universo como força e destino a tal profundidade, que nesse rápido segundo passou por mim numa rajada todo o turbilhão da vida, com as suas vozes, os seus mistérios e toda a sua grandeza feroz. Vi tudo. Senti tudo. Bastou ver-te. Portanto não tenho dúvidas nem remorsos. Ao contrário estou calmo, ao contrário estou decidido.

A procura do significado da vida, a procura da existência de Deus, a procura do entendimento das acções humanas – esta obra tenta responder e significar os nossos mais profundos receios, através da história das suas personagens e do narrador, cada qual com a sua desgraça.

Uma vida resume-se em duas linhas, sintetiza-se em dois ou três factos. Se a vida fosse só isso, não valia a pena vivê-la. A vida é muito maior pelo sonho do que pela realidade. Pelo que suspeitamos do que pelo que conhecemos. Se nos contentamos com a superfície, não há nada mais estúpido – se nos quedamos a contemplá-la, faz tonturas. É por isso que eu teimo que a Morte não tem só cinco letras, mas o mais belo, o mais tremendo, o mais profundo dos mistérios.

Reside aqui a razão de este livro se tornar comovente: cada leitor se identificará com uma ou mais tragédia (quer sejam psicológicas, quer dependam de factores externos) porque, enfim, a existência humana parece não passar de uma grande fatalidade, uma catástrofe sem fim.

Se alguém pudesse encarar uma alma até às maiores profundidades, e ver ao mesmo tempo de que ternura, de que ânsia, de que desespero e de que tempestades essa alma é capaz, nunca mais podia desviar os olhos desse espectáculo.
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