“(…)homens e mar se confundem, pois o mar toma conta da vida da maioria dos homens, e os homens, por meio dos seus passatempos, viagens ou ganha-pão, sabem um tanto ou tudo sobre o mar.”
“Lutamos, trabalhamos, suamos as estopinhas, quase nos matamos – e às vezes até morremos – para singrar nesta vida, mas não passamos de cepa torta. Quais culpas no cartório! Não há nada a fazer (…)”
“Desconfiava da minha juventude, do meu bom senso e dos meus talentos de marinharia, fazendo questão de manifestar as suas reticências de todas as formas e feitios. Talvez tivesse razão. Pouco ou nada sabia eu naquela altura e mesmo agora não sei grande coisa.”
“(…) a juventude, a pujança, o carácter, os pensamentos, as façanhas, a ingenuidade… tudo morre, faça-se o que fizer.”
“Era Janeiro e o tempo estava glorioso: um glorioso tempo ensolarado de Inverno, mais encantador que o do Verão pelo que tem de inesperado e de revigorante, e por se saber que não vai, não pode, durar muito. É como uma herança inesperada, uma dádiva divina, como um golpe de sorte.”
“O mundo resumiu-se a vastas ondas de espuma, precipitando-se sobre nós sob um céu tão baixo que podíamos tocar-lhe com a mão e tão sujo como um tecto enegrecido.”
“Ó juventude! Tamanha força, fé, imaginação! Para mim o Judea não era uma velha casca-de-noz que transportava um frete de carvão mundo fora. Era o esforço, a prova, o julgamento da vida. Penso nele com prazer, com afecto, com saudade – tal como vocês em alguém que tenha morrido e muito amassem. Jamais o esquecerei!”
“Eu prezava o navio mais do que qualquer outra coisa neste mundo e queria muito ir a Banguecoque. Banguecoque! Que nome mágico, nome abençoado! A Mesopotâmia nem aos calcanhares lhe chegava! Reparem: eu tinha vinte anos, este foi o meu primeiro contrato como segundo-piloto e o Oriente estava à minha espera.”
“Foi horrível. Foi como se o mundo se tivesse esquecido de nós, como se não interessássemos a ninguém, como se não fossemos a parte alguma; precisamente assim; como se estivéssemos enfeitiçados e para todo o sempre destinados a viver naquele porto interior e a ser objecto de escárnio e motivo de riso para as gerações de vadios do cais e barqueiros desonestos.”
“O céu era um milagre de pureza, um milagre azul-celeste. O mar estava polido, azul, pelúcido, brilhante como pedra preciosa, prolongando-se em todas as direcções, cobrindo todo o horizonte – como se a totalidade do globo terrestre fosse uma jóia, uma safira colossal, a única pedra preciosa do planeta lapidada à sua imagem.”
“Ó juventude… Que esplendor! Que ardor! Um ardor mais ofuscante do que as chamas a arder do navio, projectando uma luz mágica por toda a Terra, saltando audaciosamente para o céu, para, logo depois, ser extinto pelo tempo, mais cruel, mais impiedoso, mais amargo do que o mar… e cercado, como as chamas do navio a arder, pela noite ínvia.”
“(…)e recordo a minha juventude e uma sensação que nunca mais tive – a sensação de que viveria para sempre, que sobreviveria ao mar, à terra e a todos os homens; a sensação enganosa que nos conduz a alegrias, a perigos, ao amor, ao esforço inútil – à morte; a triunfante convicção de pujança, o calor da vida numa mão cheia de pó, a chama do coração que ano após ano se esvai, esfria, encolhe-se e se extingue – e extingue-se demasiado cedo, tão cedo – antes da própria vida.”
“Não se percebia uma luz, um movimento, um som. Tinha à minha frente o misterioso Oriente, perfumado como uma flor, silencioso como a morte, sombrio como um sepulcro. E sentei-me, exausto até mais não, exultante como um conquistador, sem sono e boquiaberto como se estivesse perante um enigma profundo e fatal.”
“Ah, bons velhos tempos! Bons velhos tempos! Juventude e mar. Encanto e mar! O mar bom, valente, o mar salgado, amargo, capaz de nos segredar e de berrar connosco, e de nos cortar a respiração. De tudo quanto existe de maravilhoso no mundo, julgo nada se comparar ao mar, ao mar em si próprio – ou será que à juventude? Quem saberá? Não terão sido esses tempos os melhores? Os tempos em que éramos jovens no mar… Jovens e pobres, no mar que nada tem para nos dar a não ser pancada – e oportunidade de sentirmos, de quando em vez, a nossa pujança…”
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