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Um Coração Simples, de Gustave Flaubert

02/03/2011


Gustave Flaubert, já aqui mencionado, foi um dos grandes nomes do realismo, muito conhecido por ter escrito Madame Bovary.

Um Coração Simples é um livro das Quasi Edições, e apresenta-nos dois dos contos presentes na obra Três Contos, de 1877: Um Coração Simples e A Lenda de São Julião Hospitaleiro.

Deixo-vos parte duma análise muito bem feita encontrada neste site.

«(…) Em meio à redação laboriosa de outra grande obra sua, Bouvard e Pécuchet (que continuaria inacabada à sua morte), resolve, então, retomar um projeto antigo, o de escrever sobre a vida de São Julião, que ele vira ilustrada em um vitral da catedral de Rouen e que, por sua vez, ilustrava um romance anterior ao século XIII. Flaubert emprega o método de composição que fora desenvolvendo ao longo dos anos e que o transformará, como diz Jorge Luis Borges no “primeiro Adão de uma espécie nova: a do homem de letras como sacerdote, asceta e quase mártir”. A dedicação à obra é total. Como de hábito, lê tudo a respeito de seu tema e leva cinco meses para terminar o conto.

Nem bem termina o primeiro conto (que no livro será colocado em segundo lugar) começa “Um coração simples”, que lhe custará cinco meses e meio de trabalho. Ele visita o cenário do conto, documenta-se exaustivamente e burila as frases de forma incansável, atrás da “palavra precisa” (le mot juste). Escreve febrilmente e chega a retomar a mesma página 12 vezes “gritando como um gorila no silêncio do escritório”, como diz em uma de suas cartas. (…)

A publicação dos contos em periódicos e em seguida em volume foi recebida entusiasticamente. Poucas vezes na história da literatura francesa, e da literatura em geral, a percepção do público e da crítica contemporâneos coincide com a apreciação das gerações posteriores. (…)

“Um coração simples”, o conto composto em segundo lugar mas que foi colocado à frente do livro, é, quase unanimente considerado, como o texto exemplar de um autor exemplar. Este conto, que é venerado por contistas mundo afora, teve sua origem em uma sugestão da escritora George Sand, que censurava a amargura das belas obras anteriores e sugeriou a seu amigo Flaubert que escrevesse “uma história de homem sensível, em que, sem pregar a bondade, sem anunciar a bondade com frases de autor, fizesse com que ela aparecesse nos gestos inconscientes da criatura mais humilde e obscura”. Flaubert cedeu à amiga (que morreu antes que o conto fosse escrito) e adotou, pela primeira em sua carreira de escritor, um tom não apenas não-corrosivo mas simpático ao sofrimento. As suas próprias dificuldades do momento fizeram com que matizasse a impessoalidade do narrador, que erigira em ponto central de sua doutrina estética. Sem sentimentalismo, mas com evidente e contida compaixão, Flaubert narra a tristíssima história de Félicité, uma criada que consome sua vida em uma entrega total e sempre não correspondida, primeiro a um homem e depois aos filhos da patroa, a um sobrinho, a um velho doente e, finalmente a seu papagaio que manda empalhar depois de morto e que, no leito de morte, confunde com o Espírito Santo. Contrariamente a textos anteriores, não há ironia aqui, mas uma piedade profunda, sugerida pelo tom sempre controlado do narrador que não cai jamais no sentimentalismo. Em um “Um coração simples” todo o luxo de recursos narrativos e estilísticos de Flaubert serve para exaltar sem ênfase a simplicidade e a devoção aos outros. (…)

“A lenda de São Julião”, escrito em um momento de crise de Flaubert e, em suas próprias palavras, “para ver se ainda era capaz de fazer uma frase”, foi também uma ocasião de mergulhar no mundo medieval e se distanciar um pouco de uma atualidade desesperadora. O conto narra a história de um filho de um dono de castelo, Julião, que recebera a melhor das educações e se afeiçoara às artes da caça e que, em uma ocasião, ao dizimar um bando de cervos ouviu o chefe deles gritar-lhe que um dia assassinaria os próprios pais. Para eludir a profecia, Julião desaparece e vive uma vida de aventuras, servindo aos principais soberanos europeus até que o imperador lhe oferece a filha como esposa. Os jovens esposos vivem felizes até que, um dia, Julião torna a caçar animais selvagens. Nesse mesmo dia seus pais chegam e são instalados por sua esposa em sua cama. Na escuridão, ao ver um casal no leito, julga que sua mulher está com um amante e mata seus pais. Só percebe a tragédia ao sair e encontrar a esposa que lhe conta da chegada de seu pai e sua mãe. Julião abandona o castelo e se estabelece à margem de um rio, onde ajuda as pessoas a atravessar a correnteza até que, um dia, recebe um leproso, a quem cuida e que não é outro senão Jesus que o leva ao céu. Flaubert se inspirou na história representada nos vitrais da catedral de Rouen e em uma série de fontes livrescas. Mas Flaubert modificou alguns elementos/detalhes: assim, nas fontes utilizadas o parricídio é descoberto pelo próprio Julião, enquanto que no conto de Flaubert Julião sabe que matou seus pais pela boca de sua mulher, o que torna a cena muito mais pungente. (...)»

*Imagem encontrada aqui.
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