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O Jardim do Éden, de Ernest Hemingway

21/08/2012

*Este artigo contém spoilers.

David e Catherine vestidos de igual. Imagem de um filme adaptado da obra - retirada daqui.

Antes de me alongar sobre o livro, sinto-me no dever de informar os estimados leitores (se os houver) de que não tomei os comprimidos para dormir para escrever este texto – não que isto seja de suma importância, apenas não queria perder com uma noite bem dormida as ideias estonteantes que tinha na cabeça para escrever. 

O que não deixa de ser bastante estúpido da minha parte porque, efectivamente, não há muito que escrever sobre este livro. É bom? É. É interessante? Sim. Está bem escrito? Claro que está, o autor ganhou o Nobel… A revisão póstuma foi um trabalho bem conseguido? Não sei, porque foi o primeiro livro que li de Hemingway. 

Já aqui falei das minhas capacidades de resumir histórias e, esperando agora não desiludir esta concepção que tenho de mim mesma, eis como é a narrativa: David (um escritor) e Catherine (uma mulher psicótica) são um casal que está em França a passar férias, onde nadam nus e se bronzeiam freneticamente. Um dia conhecem Marita e, a partir daqui, os três amam-se, se bem que a tendência é que David se afaste de Catherine, mesmo tendo-se tornado igual a ela (na aparência). 

Nestes entretantos amorosos, Hemingway dá-nos excelentes descrições do que é ser-se escritor através das lutas intelectuais de David – que tenta, a ferro e fogo, descrever em pequenas histórias a sua viagem pela África com o pai, nos tempos já idos da infância, a matar elefantes, pondo em espera a narrativa principal, que trata das suas viagens com a sua esposa. 

Era o segundo dia de ventania. Ele interrompeu a narrativa da viagem, para escrever uma história que lhe ocorrera quatro ou cinco dias antes e que provavelmente desenvolvera, pensou, nas duas últimas noites enquanto dormia. Sabia que não era bom interromper um trabalho iniciado, mas sentia-se confiante e seguro, e decidiu deixar a narrativa para mais tarde e escrever a história antes que a ocasião fugisse.

A história começava sem dificuldade, como acontece com as histórias que estão prontas a ser escritas, e chegou ao meio e pensou que era melhor interromper até ao dia seguinte. Se não conseguisse manter-se afastado dela durante o intervalo, então retomá-la-ia. Mas esperava conseguir aguentar-se até ao dia seguinte. Era uma boa história e agora lembrava-se que já tencionava escrevê-la há muito. Não lhe viera à cabeça nos últimos dias. Aí a memória falhava. O que lhe acontecera fora a necessidade de escrever. Agora sabia como havia de acabar a história.

Ora, por causa disso, Catherine fica ciumenta – o que sempre o foi – e chega inclusive a queimar os manuscritos do marido. Não se arrependendo do acto, parte para Paris para falar com os seus advogados para tentar pagar os estragos a David. A história acaba assim, inacabada – pois foi interrompida pela morte de Hemingway – com David a conseguir reescrever as histórias queimadas e a ficar junto de Marita.

Os papéis tinham sido queimados no incinerador, que era um velho bidão de gasolina com buracos. O pau utilizado para desfazer as cinzas era um velho pau de vassoura inutilizada. O bidão encontrava-se no alpendre de pedra e continha querosene. Lá dentro viam-se alguns pedaços identificáveis das capas verdes dos cadernos e David encontrou bocados queimados de jornais e dois pedaços de papel cor-de-rosa que identificou como o utilizado pelo serviço de recortes Romeike. As cinzas tinham sido bem remexidas, mas teria sem dúvida encontrado mais material por queimar se se tivesse dado ao trabalho de procurar com cuidado.

Este livro baseou-se na vida de Hemingway que, estando com a sua mulher de férias, conheceu outra e apaixonou-se por esta última. É fácil saber como a história acaba, pois o escritor separou-se da mulher e casou-se com a segunda.

Desconheço o limite que separa a realidade da ficção neste livro, mas se a primeira mulher de Hemingway realmente queimou manuscritos não publicados do escritor, espero do fundo do meu coração que ela tenha tido uma morte lenta e agonizante – porque isso é coisa que não se faz a ninguém, por muito bom ou mau que esse alguém seja.

Para finalizar, basta-me dizer que a escrita do Hemingway é simples (mas não tão simples que irrita) e que a explicação para o fenómeno, dada pelos teóricos da literatura, é que o escritor é como uma máquina fotográfica que capta momentos sucessivos da realidade, para além de ter evitado as convenções da sociedade ocidental que, para ele, foram abaladas pela primeira guerra mundial.

*Mais sobre o livro aqui e aqui (este último em inglês).
*Podem lê-lo no scribd.
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