Image Map

Vade retro, senhor Nietzsche!

17/03/2012

Pormenor de um quadro de Luca Signorelli, de 1505

Eu julgava-me uma espécie de anticristo, simplesmente pelo facto de ser ateia. Em boa verdade, admitamos, ser-se ateu já é, na perspectiva de alguém religioso, ser-se anticristo. Analisando etimologicamente a palavra, ela tanto pode significar “inimigo de Cristo” ou “aquele que vem antes (da segunda vinda) de Cristo”.

Estava eu a dizer que me julgava uma espécie de anticristo, até ter lido O Anticristo, de Nietzsche. Se a obra, hoje, é capaz de ferir susceptibilidades, não consigo imaginar o furor que não terá sido nos finais do século XIX…

O livro, se bem analisado, não tem motivos para grande polémica: a ideia do filósofo é o que todas as pessoas inteligentes sabem, isto é, que o cristianismo é contra os instintos naturais e, por conseguinte, contra a vida.

Ainda relativamente a esta ideia, não deixei de notar uma relação com o satanismo laveyano (que veio muito depois de Nietzsche) – o que não é de se admirar, pois o satanismo laveyano parte dessa mesma premissa. O que poderá admirar os mais desatentos é verificar que todos são anticristos e satânicos.

Eis aqui mais uma premissa de Nietzsche: todos são anticristos porque simplesmente não conseguem seguir a religião – e isto porque, como já dito, a religião é contra a vida e contra a natureza, não expressando qualquer realidade que seja verdadeira.

Claramente. E será que alguém (exceptuando os fanáticos religiosos) segue escrupulosamente o que é dito na bíblia? Será que alguém é casto, miserável, bondoso para com todos, que perdoa todos os males que lhe fazem?

Não. Não o era no século XIX nem o é nos dias que correm. Uma das minhas interpretações deste livro, e que o próprio filósofo chega a afirmar, é que quem é cristão e não segue esses ideais só pode ser uma coisa: mentiroso (adjectivo proposto por Nietzsche, que se referia aos padres) ou, utilizando um eufemismo, hipócrita.

Seguindo esta linha de raciocínio: ou as pessoas são mentirosas (porque são religiosas), ou são anticristos (porque precisamente não o são). Sendo assim, sempre houve anticristos e o filósofo alemão não foi o primeiro nem o último deles.

Nietzsche critica friamente o cristianismo e toda a cristandade, faz-lhe uma guerra, mas será, talvez, dos poucos que têm razões aprofundadas para o fazer. O senhor iniciou os seus estudos em Teologia, que não chegou a concluir, por razões que se nos afiguram óbvias.

Este conhecimento da religião faz com que os seus argumentos sejam perfeitamente justificados. Para mais, o próprio defende que a melhor arma conta o cristianismo é o próprio cristianismo, já que a religião se contradiz a si mesma.

Existem outras premissas no livro, que não têm que ver propriamente com o cristianismo, porém, não cabendo neste singelo espaço, será matéria para outro texto. Em conclusão, a principal premissa da obra é a seguinte:

Cristão = anti-natureza, anti-realidade, anti-conhecimento
Anticristo = viver.

De qualquer maneira, quer o leitor seja um ávido e fervoroso cristão, ou um céptico e incrédulo ateu, este é um livro que serve para reflectir, para pensar. Ou não fosse uma obra de cariz filosófico.

*O título deste texto é um trocadilho engraçado. Digo eu...
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...