Image Map

1984, de George Orwell, e o mundo de hoje

06/10/2015


*O texto tem spoilers.

Os melhores livros são aqueles que, para além de terem uma boa história, têm uma boa mensagem (pelo menos na minha humilde concepção). É o caso de 1984, cujo conceito é bem conhecido, mesmo para quem não leu o livro.

Orwell, neste livro, projecta um Estado totalitário, opressor e coercivo, que vigia permanentemente os seus cidadãos, de maneira a descobrir possíveis traições (através de, somente, expressões faciais, gestos involuntários, etc.). Tudo o que uma pessoa faz é visto, tudo o que uma pessoa diz é ouvido, todas as suas acções são controladas.

Big Brother is watching you, é o lema desta história: o Grande Irmão está a vigiar-te. Há várias interpretações sobre o tipo de livro que 1984 é e qual a sua mensagem, mas creio que o principal a reter do livro é o controlo que um Estado pode ter sobre os seus cidadãos, independentemente do seu regime político (um Estado democrático pode fazê-lo e muitas pessoas apontariam os EUA como exemplo disto).

O livro narra a história de Winston Smith, de como ele tentou revoltar-se contra o regime e de como depois foi apanhado e convertido. Tendo como trabalho a falsificação (rectificação) dos factos em jornais, Smith apercebe-se da farsa que é o Partido (o único do regime), não sendo de admirar o seu descontentamento.

Smith tem um caso com Julia, uma colega sua, e os dois tentam conspirar contra o Partido, contando para isso com a ajuda de O’Brien. Acontece que O’Brien é membro do Partido e acaba por “tratar” do casal.

No tempo em que Winston Smith esteve detido, foi-lhe feita uma “lavagem cerebral”, sendo obrigado a aceitar e a acreditar no Partido, o mesmo acontecendo com Julia. A história acaba assim, com Winston Smith a levar uma vida normal e a ser uma máquina em vez de um ser humano com capacidade para questionar, apenas sabendo que um dia, por ter tentado conspirar contra o Partido, irá ser morto.

Sátira política, distopia, alegoria… As classificações para 1984 ainda são algumas, mas o objectivo de Orwell foi tornar os leitores conscientes, de maneira a evitar que a situação descrita no livro se torne real – porque mais vale prevenir que remediar (e num mundo como 1984, não haveria remédio possível).

A questão que qualquer pessoa coloca ao ler o livro é se, actualmente, estamos a viver num mundo (muito ou pouco) parecido com o de 1984. Talvez. Os nossos telemóveis podem ser facilmente localizados, os nossos computadores podem ser facilmente invadidos, as nossas conversas telefónicas podem ser facilmente ouvidas por terceiros, as grandes capitais europeias têm câmaras de vigilância nas suas ruas… Contudo, há grandes diferenças que distinguem 1984 de 2015.


Primeira de todas: o estado da tecnologia. Nem o autor, nem ninguém em 1949, poderia imaginar o mundo tecnológico em que hoje vivemos. A vigilância em 1984, tal como hoje, é feita através da tecnologia. A vantagem e o defeito da tecnologia é que qualquer pessoa a pode usar, podendo ser várias as consequências desse uso.

Talvez este seja um ponto importante a ter em consideração no livro. Orwell previu, e bem, que o Estado pode usar a tecnologia para vigiar os seus cidadãos, seja para protegê-los ou para controlá-los; o verbo correcto a usar depende do tipo de Estado que nos referimos.

Segunda diferença: o controlo humano. Nós vivemos numa sociedade democrática (com excepções) e, mesmo nos Estados mais rígidos, podemos pensar livremente, apesar de não podermos dizer livremente o que pensamos.

O que acontece em 1984 é que não se pode dizer nem pensar livremente. As pessoas foram educadas assim e, parece-me, foram educadas assim pelo medo, pela experiência e, sobretudo, pela segurança. Uma nova língua é criada para eliminar palavras inconvenientes e contrárias ao pensamento do Partido.

Não é preciso apenas aceitar o que o Partido diz, é preciso acreditar no que ele diz, mesmo estando em contradição com a realidade (como acreditar que 2+2=5). E é essa a diferença entre estar sossegado e entre ser capturado pela Polícia do Pensamento e respectivas consequências.

Terceira diferença: o controlo da verdade. Tanto documentos como notícias podem ser falsificados. Em 1984, esse acto é feito em grande escala. Modificavam-se factos em jornais, revistas, faziam-se livros e filmes, tudo isto com o intuito de provar que o Partido tem sempre razão, quer nas suas previsões como nos dados recentes.

Isto não é mais do que uma forma de controlar os cidadãos: se o Partido faz bem o que faz, porquê ficar descontente? Poder-se-ia ficar descontente com as condições de vida precárias, mas as pessoas, nesta história, já não são pessoas, são máquinas que não têm capacidade de pensar, quanto mais de questionar o sistema (com a digna excepção de Winston Smith).

Quarta diferença, e talvez a maior de todas: o ser-se humano, o ter capacidade de pensar, raciocinar, questionar, pôr em causa, revoltar-se. 1984 pode ser tido como o que poderá acontecer se o ser humano perder estas capacidades. Aliás, George Orwell esteve para chamar o livro de O Último Homem da Europa, precisamente para demonstrar que Winston Smith foi o último homem, o único a ter estas qualidades humanas.

O mundo de 1984 é um mundo hiperbólico que apenas ficará na ficção – e o próprio autor acreditava nisso – apenas porque não se pode controlar o espírito humano ou, se isso for possível, não se pode controlar 7 mil milhões de pessoas ao mesmo tempo (e eu tenho esperanças de que a ciência não avance nesse sentido).

De qualquer maneira, é possível ver semelhanças entre o livro e a realidade, sobretudo no que toca à vigilância e ao controlo – o livro é um aviso, portanto fiquemos avisados.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...