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Os Demónios, de Dostoiévski

06/10/2013

Representação de Os Demónios (adaptação/produção de Peter Stein). Imagem daqui.



«Ter uma ideia não é difícil, o difícil é fazer um plano. Eu pouco percebo e não sou muito inteligente, apenas persigo aquilo que para mim é mais claro.»

1. Os Demónios retrata as acções de um grupo revolucionário que tenciona mudar o sistema e tomar o poder, sendo necessário, para o efeito, a união e a confiança que os membros do grupo têm entre si. A determinada altura, essa união é posta à prova através do assassinato de um dos membros desse grupo (que queria sair). A questão do livro é precisamente essa: o quão longe vai o ser humano na perseguição dos seus ideais?, quanto mal se pode fazer para atingir o bem? Apesar de ser bastante realista, o livro está repleto de existencialismo, precisamente para responder àquelas questões. Naturalmente, a resposta é fazer o bem para atingir o bem – nada mais que isso, ou as consequências serão terríveis.

2. O tema do livro pode ser considerado como político, porém a política não é a sua questão principal. Para além de, obviamente, ser um retrato da Rússia do século XIX e do seu descontentamento para com as suas instituições governamentais (porque se prepararia então uma revolução?), o livro trata sobretudo do que tratam os outros livros do autor: a mente humana. Neste caso, como as personagens lidam com um ideal mal-empregue e com os seus efeitos (assassinato, suicídio…). Assim sendo, a temática política serve como mote para o carácter existencialista – e realista – da obra.

3. Todas as nossas acções são consequências dos nossos pensamentos – conscientemente ou não, sendo esta a premissa que se retira de qualquer livro de Dostoiévski, que analisa a complexidade da mente humana. Os Demónios é mais um exemplo, presente mesmo no próprio título. Traduzido tanto como Os Possessos ou Os Demónios, alegando os tradutores experientes que o segundo título é o mais correcto, o próprio teor do livro parece apontar para as duas hipóteses como quase iguais: resumidamente, os demónios são os ideais mal-empregues que possuem uns pobres homens (os possessos). Nesta obra, o ideal possui, corrói a mente humana, fazendo o autor a analogia com os demónios que se apoderam de algumas pessoas, sendo que os possessos não controlam as suas acções – tal como as personagens parecem não controlar as suas nem ouvir o bom senso.

4. Apesar de possessas pelos ideais, as personagens principais não podem ser consideradas loucas, o que comprova a última passagem do livro, sobre o suicídio de Stavróguin: «Os nossos médicos, ao autopsiarem o corpo, rejeitaram por completo e com insistência a hipótese de loucura»; aliás, as personagens têm consciência do que fazem, podendo não ter a consciência da dimensão das suas acções. Afinal, as personagens são racionais, têm um objectivo e fazem por concretizá-lo, chegando a ser metódicas – acreditam, inclusive, que o que fazem é pelo bem-comum, em suma, um mal que vem por bem.

5. A estética da obra é a típica de Dostoiévski: um realismo/existencialismo, isto é, um realismo que parte do interior das personagens. Neste caso, o autor está interessado em mostrar as consequências daqueles ideais desenfreados (a parte existencialista da obra) através do teor político e social (a parte realista). E, tal como outros livros de Dostoiévski, este é fácil de ser lido, mas para compreendê-lo na totalidade é necessário um certo nível de experiência literária.


Links de interesse sobre o livro:
O Problema do Mal em Dostoiévski: destino trágico da Liberdade humana, conferência do XI Congresso Internacional da abralic.
Os Demônios de Dostoiévski: primeira parte e última parte, na Verbologia.
Tragic Rites in Dostoyevsky's The Possessed, artigo de Joyce Carol Oates (em inglês) presente no site da Universidade de São Francisco (EUA).

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