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Ainda sobre o famosíssimo solilóquio de Shakespeare, presente na peça Hamlet. Existem diversas interpretações sobre o mesmo, que incidem basicamente na questão se Hamlet trata do suicídio ou não.
Começo a julgar que o “ser ou não ser – eis a questão” signifique “permanecer vivo ou não”, isto é, se se deve matar ou não, pois o resto do solilóquio trata sobre suicídio – mais concretamente se devemos acabar com o nosso sofrimento ou continuá-lo por medo à morte.
A tradução de “to be or not to be” também poderia ser “estar ou não estar” (estar ou não estar neste mundo; estar ou não estar a sofrer). O “ser” pode significar viver, sendo “viver ou não viver” (com o sofrimento); ou ainda “ser” pode ser equivalente a “sofrer” (“sofrer ou não sofrer” – o que remete para viver com o sofrimento ou matar-se e não viver com ele).
Independentemente das possíveis traduções, creio que todas as formas apontam para uma reflexão sobre o suicídio, a vida e a morte, o porquê de se continuar a sofrer ou não, quer Hamlet seja suicida ou não.
Aliás, esta última hipótese é provável e não é de se descartar, pois na peça Hamlet não põe um fim à sua vida porque quer/tem que vingar a morte do seu pai, para além de ser bastante notável o seu sofrimento.
Este solilóquio prova, mais uma vez, como são subjectivas as interpretações e as impressões que podemos reter de uma obra – que são variáveis de pessoa para pessoa e, até, de estado de espírito ou de momentos específicos que estamos a passar quando a lemos.
Ser ou não ser – eis a questão; será maior nobreza da alma sofrer a funda e as flechas da fortuna ultrajante ou pegar em armas contra um mar de infortúnios opondo-lhes um fim? Morrer, dormir… nada mais… É belo como dizer que pomos fim ao desgosto e aos mil males naturais que são a herança da carne. É esse um fim a desejar ardentemente. Morrer, dormir… dormir… e talvez sonhar. Sim, eis o espinho! Pois que sonhos podem vir desse sono da morte, depois de libertos do tumulto da vida? Eis o que deve deter-nos. Eis a consideração que nos traz a calamidade duma tão longa vida. Pois quem suportaria as chicotadas e mofas do mundo, a tirania do opressor, a insolência do orgulhoso, as dores do amor desprezado, as delongas da lei, a arrogância do poder, o desdém que o mérito paciente recebe dos indignos, quando podia buscar a própria quietude com um simples estilete? Quem suportaria tais fardos, protestando e suando numa vida dura, se não fosse o receio de qualquer coisa após a morte, dessa região não descoberta e de cuja fronteira nenhum viajante regressa, que lhe quebranta a vontade e faz que queira antes sofrer os males da Terra que voar para outros de que nada sabe? Assim a consciência faz de nós uns covardes; assim a cor primitiva de resolução descora perante a pálida luz do pensamento e empreendimentos de grande porte e importância desviam a sua rota e perdem o nome da acção.
*Para esclarecer: na peça, durante o solilóquio Hamlet não segura na caveira; mas segura na caveira quando fala sobre o bobo da corte (que é a caveira).