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A pessoa de Sherlock Holmes

15/08/2011


Lembro-me de uma vez em que a minha professora de português se queixou que um seu aluno, de visita a Londres, queria dar uma vista de olhos à casa de Sherlock Holmes – com o motivo óbvio de querer conhecer a residência onde o homem viveu.

Menos óbvio para esse aluno era, contudo, o facto de Sherlock Holmes ser uma personagem criada por Arthur Conan Doyle e o famosíssimo 221-B da Baker Street ser um lugar fictício (se bem que a partir dos anos 30 passasse a existir).

Não condenemos o aluno, nem o apelidemos de criatura ignorante, pela simples razão de que Conan Doyle criou uma personagem que ultrapassa, de longe, a figura existente do próprio criador. Por outras palavras, quem existe para nós, que somos leitores, é Sherlock Holmes e não Arthur Conan Doyle.

E isto acontece, muito em parte, pela maneira exímia com que Conan Doyle escreve: escreve de maneira a obliterar qualquer pensamento próprio e transferi-lo para a personalidade de Holmes – nunca uma personagem, pelo menos das que tenho conhecimento, foi tão envolvente como a do detective (facto que atribuo às dezenas de histórias de Holmes, em que Watson centra a narrativa nas capacidades do seu companheiro e não propriamente no caso a ser resolvido).

Estamos habituados, enquanto leitores, a verificar reminiscências da individualidade do escritor nos livros, porém quando lemos Sherlock Holmes, a coisa muda: o nosso subconsciente atribui essa mesma individualidade ao detective.

Naturalmente que é pela maneira como Arthur Conan Doyle construiu a personagem – estranha, invulgar, diferente – e se sabemos que a mesma foi baseada num professor do autor, é-nos difícil rever o escritor no livro, apesar de ter sido o génio que criou Holmes.

Voltando à escrita de Conan Doyle, esta é uma das razões, diria mesmo que principal, que explica a elevada fama da personagem: uma escrita acessível, sem muitos floreados, fácil de ler e de entender, compreensível tanto para as pessoas cultas como para as que carregam menos bagagem literária nas suas vidas.

Torna-se, assim, transparente como água porque entranhamos e adoramos o detective. E se alguém se atrever a questionar esta premissa, que se tente lembrar do que é feito de Dupin…

O tal aluno pode desculpar-se argumentando que existem biografias de Sherlock Holmes, ensaios e teorias sobre o que o detective fez ou deixou de fazer, o que gostava ou desgostava, qual foi o seu passado e qual foi a sua família.

Há, inclusive, estátuas de Holmes, que também tem o seu próprio museu – o que comprova como estamos bastante familiarizados com ele, como se chegasse mesmo a existir (todavia, existem pessoas que acreditam neste facto).

E, posto isto, quem pode culpar aquele aluno? Não foi o primeiro a acreditar na existência de Sherlock Holmes, nem certamente será o último.
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