Image Map

A Aventura da Memória e outros contos, de Voltaire

05/12/2010



Voltaire. Não será, certamente, necessário fazer qualquer tipo de introdução a este filósofo/escritor. Porém, será conveniente relembrar que Voltaire foi um dos grandes nomes do Iluminismo, lutando pelas liberdades essenciais do ser humano e louvando a razão.

Como o título indica, este livro é uma colectânea de contos, onde se vê a luta por essas liberdades através da sátira, da alegoria, da parábola e das críticas. Sobre o estilo de Voltaire, é uma escrita simples (acompanhada com uma linguagem também ela simples), acompanhada sempre por uma ironia requintada. É fácil compreender a obra de Voltaire, se bem que é sempre preciso uma noção histórica relativa à época (século XVIII), mesmo que grande parte da crítica se aplique igualmente aos dias de hoje.

Esta edição, da Estrofes & Versos, de Setembro de 2009, é bastante boa. Para além de ser um livro de bolso - que cabe em qualquer lado e, assim sendo, é mais fácil de transportá-lo - é feito com papel reciclado, isto é, é amigo do ambiente. Esta edição conta, também, com pequenas notas introdutórias aos contos, fazendo uma análise sucinta dos mesmos e o contexto em que foram escritos.

E são excertos dessas mesmas introduções, que aqui coloco aos leitores.


Se o Carregador Zarolho é produto de um improviso, este foi cuidadosamente preparado, dado que a conclusão do texto nada deixa a desejar: mesmo as negligências parecem premeditadas e o ritmo da narrativa é sabiamente manejado. Sorte de principiante? Golpe de mestre, em todo o caso. Voltaire é inspirado pelas Mil e Uma Noites: aí encontra o nome Mesrour, carregadores e zarolhos em grande número.

Para lá das reminiscências e das alusões referidas no texto, o que impressiona é o lugar atribuído ao erotismo. As grandes damas não eram hipócritas e o jogo, vemo-lo, autorizava singulares ousadias. Mélinade é evidentemente a duquesa du Maine. Desde logo, o carregador sujo, e de sentimentos maliciosos, representa junto dela o macho e o seu desejo brutal. Poder-se-á facilmente tirar ilações sobre a desigualdade das classes durante o Antigo Regime, mas também sobre o destino da mulher numa sociedade onde o homem domina «a razão mais forte», que é «sempre a melhor». Como não admirar o aprumo e a perícia de um estreante de 20 anos?


Voltaire escreve à volta de um «caso de consciência» que reaparecerá em O Ingénuo. Voltaire inaugura a táctica, da qual será mestre, de uma devassidão tão delicada que a má-fé do narrador não prejudica o prazer do leitor. A fórmula do subtítulo, repetida no fim do conto, vem de Maquiavel: com ela se regressa ao olho único de Mesrour e abre-se caminho a essa filosofia a preto e branco que definirá no essencial a moral dos contos voltaireanos.


Em 1737-1738, Voltaire leu Platão, tomou notas, estabeleceu um «tipo desatinado» platónico. Assim nasceu Sonho de Platão, que é apenas um conto, ou melhor, um apólogo. Após contacto com Inglaterra, Voltaire converteu-se ao método experiemental, do qual desdenhava a poderosa imaginação dos metafísicos. Platão é o primeiro visado. Outros se seguirão. Estas páginas expansivas inauguram o género do conto filosófico e preparam Micrómegas. Aparecem pela primeira vez em 1756.


O tema desta «pequena graça» é dado desde a primeira frase: a sátira da pretensão de ser «absolutamente sábio». Desde O Mundano (1736), Voltaire optou por um epicurismo pragmático resolutamente hostil aos rigoristas que pretendiam abolir as paixões humanas.


Carta de um turco é contemporânea de Mémnon, cuja reflexão prolonga. Para além da Índia e dos faquires, «a sátira visa em geral o universo místico, a sua ascese da salvação, as suas mortificações, o seu gosto pelo êxtase» (R. Pomeau, 1966). Voltaire remete a religião às considerações lucrativas e, obliquamente, através de uma «filosofia alegórica», ataca o Cristianismo. Pouco indulgente relativamente aos brâmanes, o humanista europeu tem dificuldade em compreender mentalidades diferentes da sua.


A narrativa de viagens é um decalque dos grandes romances de aventuras. Voltaire encolhe-o e imprime toda a velocidade à volta da Europa, à Ásia e a África feita por Scarmentado, cujo nome significa em espanhol «instruído às suas custas pela experiência». Inspira-se nos seus trabalhos históricos para misturar a ficção com factos autênticos e cuidadosamente escolhidos, todos datados de cerca de 1615 – 1620 e ilustrando, pelo procedimento da repetição sistemática, o tema da crueldade universal.


Coma idae e à força do trabalho, Voltaire começa a tornar-se um homem transbordante de saber, um «Citófilo» (aquele que gosta de citar). Faz afluir um pouco dessa abundância nesta anedota filosófica em que dialogam talvez inspiradas na realidade: a duquesa de Saxe-Gotha, que acabara de perder um filho, costumava corresponder-se com o escritor. Mas os papéis são invertidos. Retira da História e da Mitologia uma série de exemplos de princesas desafortunadas e inventa os outros. O desenlace, fundado na experiência, consola e desola.


Definida por Voltaire como uma parábola – parábola da dúvida e da cobardia perante a inutilidade do saber – História de Um Bom Brâmane tem, sob o disfarce hindu, os traços do auto-retrato: o escritor conhece os seus estados de alma e é capaz de se rir deles.


Colocadas lado a lado em Le Philosophe Ignorant, balanço desiludido «de um homem que não sabia nada», em que Voltaire de demarca de «todos os fabricantes de sistemas», sobretudo dos ateus parisienses cuja ignorância o inquieta, Pequena Digressão e Aventura Indiana, que opõem, uma vez mais, a decoração à francesa e o disfarce à oriental, aliam-se ao tema da ignorância.


Integrados em Nouveaux Mélanges Philosophiques, historiques, critiques, estes dois textos pertencem ao género da «alegoria engenhosa» e instrutiva, que Voltaire opunha às fábulas que «não dizem nada de nada», como Barba Azul. Aventura da Memória explora pela enésima vez a oposição do empirismo de Locke ao inatismo cartesiano, e sublinha o papel da memória no conhecimento.

O Elogio Histórico da Razão associa-se à morte de Luís XV. Voltaire faz um balanço que recapitula as conquistas da razão: remonta às origens da história de França, evoca as eras das travas. Depois, a Razão e a sua filha Verdade partem numa viagem à Europa. As viajantes experimentam surpreendentes satisfações no Vaticano, em Veneza, na Alemanha, na Suécia, na Rússia, em Inglaterra. Única mancha de sombra, a Polónia. A sua inspecção termina em França: um longo desenvolvimento enumera as bem sucedidas reformas empreendidas em todos os domínios pelo jovem Luís XVI. "

*Na imagem: Voltaire
**Os títulos dos contos são links para a respectiva história. Portanto, se os leitores quiserem ler, basta clicar no título.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...