*O texto tem spoilers.
Encontrei este livro por um acaso muito feliz, enquanto
procurava e-books (quem diria que eu um dia iria procurar e-books?). Quase sem
informações, o título foi, obviamente, o que mais chamou à atenção, juntamente
com um pequeno excerto no qual o autor tenta definir loucura.
Loucura? — Mas afinal o que vem a ser a loucura?… Um enigma… Por isso mesmo é que às pessoas enigmáticas, incompreensíveis, se dá o nome de loucos… […]
A loucura é, precisamente, o
tema do livro. Mário de Sá-Carneiro conta-nos a história do seu amigo de
infância Raul, escultor, que qualquer pessoa o classificaria como tresloucado,
mais pelas suas ideias do que pelos seus actos (ideias, essas, contrárias à
norma).
Eu não sofro só por isso, não… Ontem arranquei um cabelo branco. É a velhice… o “fim” que se anuncia… Viver para morrer… Ah! como é horroroso… como é horroroso… O Tempo caminha com uma velocidade tão grande que, num segundo, avança um segundo; num minuto, outro minuto; numa hora, outra hora. É abominável!... Vai-nos destruindo a cada instante… ininterruptamente… inexoravelmente…
Retrato de um homem, de Alfred Stevens. Imagem daqui. |
A história que o autor conta de Raul resume-se à sua
história de amor com Marcela. Amor inocente, amor verdadeiro, amor carnal. É
neste amor que Raul demonstra a sua loucura, passando por longos estados
depressivos e de falta de criatividade. Quando trai a sua amada, num acto
inconsequente, tenta provar-lhe o seu verdadeiro amor ao querer desfigurar-lhe
a cara.
Isto tudo são loucuras, sei perfeitamente. Apenas no cérebro de um homem doido podem nascer tais pensamentos. Nós, os “homens de juízo”, não pensamos nessas coisas, não pensamos em muitas coisas porque aceitámos a vida tal como ela é, tal como se convencionou que ela fosse; porque nos habituámos a ela…
Raul acaba por suicidar-se, para grande surpresa dos seus
amigos que, apesar de lhe conhecerem as manias, nunca poderiam prever o seu fim
(como acontece com todos os suicídios, arrisco-me a dizer).
A vida faz doer. E a morte?
Mário de Sá-Carneiro tenta, mais do que explicar os actos do
seu amigo, compreendê-los, sem julgar, sem defender, sem acusar. Afinal, o que
define a loucura? O que define a normalidade? Que linha ténue separa uma e
outra?
[…] Enganaram-se vocês e os médicos com isso a que chamam loucura. O vosso espírito é demasiado acanhado para compreender tudo quanto não seja o comum… o vulgar.