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Um Marido Ideal, de Oscar Wilde

22/04/2011

"Ninguém deve ser julgado pelo seu passado."

Um Marido Ideal (An Ideal Husband, no original) é uma comédia de Oscar Wilde escrita em 1893 e estreada em Londres em 1895. Esta comédia gira à volta da chantagem, da corrupção política e da sinceridade/honestidade (todos estas questões levam-nos ao grande tema, que é a honra).

Wilde colocou nesta peça uma grande ironia e subtileza nas palavras (como sempre nos habituou), característica bem conhecida da sua escrita. A peça está dividida em quatro actos e passa-se durante 24 horas, em Londres.

A história

Esta peça conta a história de Sir Robert Chiltern, político em ascensão, que é chantageado por Mrs. Cheveley. Mrs. Cheveley tem em sua posse uma carta que compromete a carreira política de Chiltern (dado que a sua fortuna e carreira foram feitas de forma ilícita) e ameaça tornar a carta assunto público se ele não passar o projecto do Canal Argentino, do qual Cheveley investiu imenso. Desde esse momento, Sir Robert Chiltern confronta-se com os fantasmas do seu passado, com a sua mulher (que não quer desiludir e, portanto, tenta esconder tudo dela) e com um grande dilema: desaprovar o projecto e perder a sua vida política de sucesso e manter a sua “honra”, ou aprovar o projecto e perder a sua “honra”, desiludir a sua mulher e manter a sua vida política. Este é o enredo principal desta peça.

A peça

Primeiro acto: Sir Robert Chiltern e a sua mulher (Gertrude Chiltern) dão uma festa social/política em sua casa. Mrs. Cheveley, diplomata em Viena, é trazida por Lady Markby, grande amiga dos Chiltern, e primeiramente encanta todos à sua volta. Lady Chiltern descobre depois que ela e Mrs. Cheveley eram colegas na escola e não eram exactamente as melhores amigas. Mrs. Cheveley faz de tudo para conhecer Sir Robert e, quando o faz, faz-lhe a sua chantagem. No final da festa, Lord Goring, também grande amigo do casal Chiltern, encontra um broche de diamante num sofá.

Numa obra de Oscar Wilde não pode faltar a crítica. Neste primeiro acto, vemos a crítica à alta sociedade londrina que nada faz de verdadeiramente útil, a não ser ir à ópera ou andar de cavalo (representada pelo Lord Goring), a crítica à classe política que é corrupta, sem escrúpulos e com falsas moralidades, querendo apenas o poder e/ou dinheiro (representada pelo Sir Robert Chiltern e pela Mrs. Cheveley) e sem qualquer interesse em política (note-se que a festa tinha teor político, no entanto todos os presentes estavam apenas a divertirem-se). Estas críticas e referências prolongam-se durante todos os actos da peça.

Segundo acto: Este acto passa-se na sala de Sir Robert Chiltern, onde expõe as suas dúvidas e preocupações a Lord Goring. Apesar de Lord Goring condenar pesadamente a conduta que o seu amigo teve outrora, está disposto a ajudá-lo e a fazer tudo o que for preciso para resolver a situação, admitindo que ninguém deve ser julgado pelo seu passado. A maior preocupação de Chiltern é que a sua mulher não descubra o que fez, sob pena de deixá-lo de amar.

Mrs. Cheveley vai à casa de Sir Robert procurar o seu broche perdido e conta tudo a Lady Chiltern, depois de estar lhe ter dado uma lição de moral, dizendo que “quem comete uma acção desonesta acaba por cometê-la uma segunda vez”. Lady Chiltern fica transtornada com o seu marido quando sabe a verdade. O casal discute e Robert apela ao bom senso da mulher, argumentando que “ninguém devia colocar os amados num pedestal”.

Neste acto vemos a crítica à ganância da alta sociedade londrina: Sir Robert Chiltern forneceu documentos importantes do Governo ao Barão Arnheim, de modo a este conseguir uma fortuna. Sir Robert Chiltern recebeu uma boa parte dessa fortuna, que soube como triplicá-la: fez estes actos desonestos de modo a enriquecer e ganhar poder. Vemos também presente neste acto o bom carácter de Lord Goring e o arrependimento de Sir Robert Chiltern.

Terceiro acto: Passa-se na casa de Lord Goring, que recebe uma carta em papel cor-de-rosa de Lady Chiltern (depois de lhe ter dito que podia confiar na sua amizade) que diz: “Eu quero-te. Eu confio em ti. Eu vou ter contigo. Gertrude.” Lord Goring, depois de falar com o seu pai, espera por Lady Chiltern, mas entretanto chega é Mrs. Cheveley, sem ele saber, que espera numa sala. Entretanto, chega Robert que está desesperado porque Lady Chiltern descobriu tudo. Enquanto desabafa com Lord Goring, Chiltern ouve uma cadeira a cair na sala ao lado e, quando vê que é Mrs. Cheveley, fica furioso com Goring, que tenta dissuadi-lo (pensando que é Gertrude quem lá está), dizendo que ali está a sua amada, uma mulher de bem e de bons princípios. Chiltern não entende esta “mudança” do seu amigo e sai da casa de Goring indignado.

Lord Goring vai à sala onde estava Mrs. Cheveley e fica deveras surpreso quando vê que era ela que lá estava. Cheveley foi lá fazer-lhe uma proposta: se ele casasse com ela, queimaria a carta que destruiria a carreira de Chiltern. Lord Goring recusa e pergunta porque contou o passado de Chiltern à sua esposa. Mrs. Cheveley diz que apenas foi lá procurar o seu broche perdido. Lord Goring, que ficou com o broche, mostra-lhe e põe-no no braço de Cheveley, como se fosse uma pulseira. Ela ficou curiosa e não consegue tirar o broche, já que não sabe onde está o gancho. Lord Goring agora tem a faca e o queijo na mão: sabe que Cheveley roubou a pulseira, já que foi ele quem a ofereceu como prenda de noivado à sua prima. Há uma reviravolta nos acontecimentos: Goring exige a carta que incrimina Chiltern ou então chama a polícia. Mrs. Cheveley não vê alternativa e dá-lhe a carta, que queima. Entretanto, fica na posse da carta que Gertrude enviou a Goring, e ameaça enviá-la a Robert Chiltern (que chega a fazer).

Neste acto vemos a pessoa sem escrúpulos que é Mrs. Cheveley: Oscar Wilde transmite-nos numa maneira perfeita o que uma pessoa é capaz de fazer para ter o que quer, quer seja poder, dinheiro ou ainda mesmo amor.

Quarto acto: Passa-se na sala de Sir Robert Chiltern. Lord Goring vai até à casa do amigo para esclarecer o mal-entendido, quando encontra o seu pai que lhe comenta o fenomenal discurso de Sir Robert a reprovar o projecto do canal da Argentina. Lord Goring propõe-se a Mabel Chiltern, irmã de Robert. Lord Goring conta a Lady Chiltern que a carreira do marido está a salvo e conta-lhe do incidente da carta cor-de-rosa, aconselhando a contar a verdade. Entretanto, Robert aparece com a carta cor-de-rosa na mão pensando que lhe foi dirigida, e agradece à sua esposa pela confiança que agora deposita nele. Lady Chiltern nada diz. Lord Goring pede a mão de Mabel ao seu irmão, mas este recusa, argumentando que Goring mantém um caso com Cheveley. Lady Chiltern diz-lhe, então, que a carta cor-de-rosa era dirigida a Goring, mas em tom de amizade e confiança, e que a mulher que ele esperava na noite anterior era ela. Assim sendo, Robert aceita que a sua irmã case com Lord Goring.

A história, porém, não acaba aqui: Chiltern foi promovido e continuará com a sua carreira, depois da aprovação e consentimento da sua mulher (a conselho de Lord Goring).

Neste acto vemos o valor da sinceridade, que pode salvar vidas (e até casamentos). Foi um desfecho feliz para as personagens. Não há quaisquer referências a Mrs. Cheveley, deduzindo daqui a sua falta de importância e o seu esquecimento (mais um “retrato” prefeito de Wilde, querendo com isto dizer que pessoas como Cheveley são facilmente desprezadas).

As personagens principais

Sir Robert Chiltern: representa o cinismo da classe política (com os seus falsos moralismos), bem como a ambição desmesurada pelo poder e dinheiro. Contudo, é a prova de que uma pessoa pode arrepender-se e mudar, demonstrando assim a sua honra. . An Ideal Husband, refere-se não ao facto de Sir Robert ser perfeito, mas ao facto de constituir um ideal para a sua mulher e para os que o rodeiam.

Mrs. Cheveley: representa a ambição desmesurada pelo poder e pelo dinheiro, e as acções desonestas e falcatruas que se é capaz de fazer para conseguir o que quer.

Lord Goring: representa a ociosidade da alta sociedade londrina. É a personagem-tipo de Oscar Wilde, aquela que nos encanta com a sua ironia e ideias algo descabidas, mas que sempre se revela boa pessoa. Representa, também, a amizade, uma pessoa em quem se pode confiar, sempre disposta a ajudar no que for preciso.

Lady Chiltern: representa a mulher com o seu ideal e que quer forçosamente que o próximo seja esse mesmo ideal. É uma pessoa com bons princípios e valores, completamente íntegra, incapaz de fazer algo desonesto. O exacto oposto de Mrs. Cheveley

Aspectos técnicos

Será interessante notar o sentido estético do autor, não só a nível da escrita, mas num nível geral. Isto é, a beleza está sempre presente mesmo quando não mencionada. O conceito de beleza é-nos dado pela descrição das personagens femininas, que são comparadas com flores e com quadros de pintores famosos.

Outro aspecto interessante é a simbologia. Como exemplo: presente na casa de Robert Chiltern está uma tapeçaria cujo nome é “The Triumph of Love” (O Triunfo do Amor) – o que nos leva a deduzir que a trama terá um final feliz. As próprias falas das personagens levam-nos a deduzir o que acontecerá na trama – por exemplo, Lady Markby diz a certa altura que “como regra, todas as pessoas tornam-se noutras pessoas”.

O realismo de Oscar Wilde é muito característico, é como se fosse um “realismo romântico”, isto é, realismo com aspectos românticos – basta notar, por exemplo, na curta duração da acção, em oposto às características acções realistas que chegam a percorrer meses ou anos. A crítica, claro, está sempre presente, como já referido acima.

Outro aspecto característico de Wilde é que algumas das suas histórias acabam bem, isto é, têm o típico final feliz: os bons acabam bem e os maus acabam mal; não têm aquele final mísero (na perspectiva das personagens) tipicamente realista. Não sabemos o fim que teve Mrs. Cheveley, porém podemos considerar que, por não ter conseguido o que queria, o seu final não foi propriamente feliz. De notar que o final feliz sempre se deve a alguns sacrifícios das personagens (que chegaram a sofrer).

Para quem aprecia a obra de Oscar Wilde, ou para quem não conhece a obra do autor, esta obra é de leitura fundamental. 

*Imagem duma edição da obra de Wilde (1901); retirada deste site. Lord Goring enfrenta Mrs. Cheveley com o broche roubado.
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