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A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson

26/06/2010



Certamente que conhecem aquelas histórias que falam sobre piratas à procura dum tesouro numa ilha deserta (ou não...), com o auxílio dum mapa que apenas tem cruzes a assinalar o local da fortuna. De aventuras no mar e na ilha. De lutas e de mortes. De vilões e de heróis. De muito rum. De piratas de papagaio ao ombro.
Pois bem, foi neste romance de Robert Louis Stevenson onde todas estas histórias foram inventadas. Um livro repleto de aventuras e de acção, onde se consegue perceber a versatilidade da escrita de Stevenson (este é um romance de aventuras feito por um escritor que já fez uma história de horror) – vocabulário muito preciso, expressões algo invulgares (com mil raios!, isso agora vale tanto como um livro de cantigas!, diabos me levem!, pela minha fé!, …), capacidade descritiva excelente, entre outros aspectos.
Em termos técnicos, este livro é um livro muito bom, em parte pelas descrições que Stevenson faz, que nos deixa com uma ideia exacta (isto agora depende da nossa capacidade imaginativa) dos locais, das personagens, da história em si, utilizando uma linguagem, até, bastante simples – exceptuando termos técnicos (gurupés, bujarrona, estai, etc.). No que toca à estrutura do livro, está divido em 6 partes e conta com 34 capítulos. Não julguem que o livro é um calhamaço de centenas de páginas; tem 34 capítulos pequenos, de 5 a 8 páginas (normalmente são 5), o que facilita a leitura. Uma das razões para ler este livro praticamente de uma vez só, é o facto de o capítulo parecer que não acaba de contar a historiazinha, fazendo-nos passar de imediato ao capítulo seguinte.
Quanto à história, é muito fácil de ser contada em meia dúzia de linhas (e, acreditem, eu consigo resumir um livro em meia dúzia de linhas ou em menos), e reza assim:
Na estalagem do pai de Jim (herói da nossa história) está hospedado um marinheiro que traz consigo um baú. Quando esse marinheiro morre, Jim e a sua mãe descobrem um mapa marcado com X vermelhos, do capitão Flint, que estava na posse desse marinheiro. Então, Jim vai ter com o doutor Livesey, que mostra o mapa a um fidalgo, e decidem, assim, partir para a caça do tesouro. Preparam as coisas, escolhem a tripulação e fazem-se à viagem. Ora, o que não sabiam era que Long John Silver e mais alguns tripulantes eram piratas e também estavam à busca do tesouro, conspirando contra os “fiéis” (honestos), facto que Jim descobre ouvindo uma conversa entre eles. A partir daqui, é um jogo de cão vs. gato, é um olho por olho e dente por dente, e a história é repleta de aventuras e de acção.
Ora, eu não quero contar a história toda, porque assim perderia a graça se vocês se decidissem a ler o livro. Mas, para não ficarem de mãos a abanar, deixo-vos um excerto do romance – que relata o confronto entre Jim e Hands, um dos piratas:
“(…) Teria baqueado sem defender a vida, se uma inquietação súbita não se tem apoderado de mim, fazendo-me voltar a cabeça. Talvez porque tivesse ouvido qualquer rangido ou tivesse visto, pelo canto do olho, a sombra dele a mexer-se, ou, talvez, por um sentimento instintivo, como o do gato, o certo é que, quando olhei à minha volta, dei com Hands já a meio da distância que o separava de mim, com o punhal na mão direita.
Ambos devemos ter soltado um grito estridente quando demos de cara um com o outro, mas enquanto o meu foi um grito agudo de terror, o dele foi uma praga de furor semelhante ao mugido de um touro a arremeter. No mesmo instante ele atirou-se para a frente, e eu dei um salto de lado na direcção da proa. Ao fazer este movimento, larguei a cana do leme, que saltou violentamente para sotavento. Creio que foi isto que me salvou a vida, porque Hands foi atingido em pleno peito e, por um momento, deteve-se, aturdido.
Antes de ele se refazer, já eu me escapara do canto onde ele me tinha entalado e passara a ter o convés todo para lhe fugir. Parei justamente em frente ao mastro real, tirei uma pistola do bolso, e, com todo o sangue-frio, embora ele já se tivesse voltado e avançasse uma vez mais para mim, puxei o gatilho. O fuzil caiu, mas não feriu lume nem fez detonação; a escora inutilizara-se com a água salgada. Amaldiçoei-me pela minha negligência. Porque é que eu não escorvara já nem carregara de novo as únicas armas que possuía? Desde aquele momento, era um mero carneiro que fugia adiante do magarefe.
(…) Ora enquanto isto se passava, o Hispaniola [escuna], bruscamente, embateu em qualquer coisa, oscilou, arrastou um instante na areia, e, a seguir, com a rapidez de um sopro, tombou para bombordo, até o convés formar um ângulo de 45 graus, e uma massa de água entrou pelos embornais, deixando um lago entre a coberta e o pavês.
Num segundo, ambos fomos envolvidos e rolámos, quase juntos, para os trincanises, (…). Ficámos, realmente, tão perto, que a minha cabeça foi bater nos pés do contramestre com ruído e os meus dentes matraquearam. (…) A repentina inclinação do navio pusera o convés incapaz de se correr nele, mas eu encontrara um novo meio de fuga (…). Rápido como o pensamento, saltei para os ovéns do mastro de mezena, trepei a pulso por eles e não respirei enquanto não me vi nas cruzetas do cesto de gávea. (…)
Agora, que eu podia respirar um momento, tratei de mudar a escorva da pistola sem perda de tempo e depois, tendo uma pronta a servir, procedi à descarga da outra e tornei a carregá-la toda, para me defender melhor.
A minha nova tarefa encheu Hands de espanto; (…) depois de hesitar, içou-se também aos ovéns, pesadamente, e com o punhal na boca começou a subir com lentidão e esforço.
(…) Algo silvou no ar como uma flecha: senti um golpe e a seguir uma dor aguda e percebi que estava pregado ao mastro pelo ombro. Com a dor horrível que senti e com a surpresa do momento – mal posso dizer se foi por minha vontade, mas estou certo que foi inconscientemente –, as duas pistolas que eu empunhava dispararam-se e escaparam-se-me das mãos. Porém, não caíram sozinhas: dando um grito rouco, o contramestre largou os ovéns e mergulhou na água de cabeça para baixo.”
Capítulo 26, quinta parte

À medida que vamos lendo o livro, é impossível não ficarmos admirados com a coragem e sensatez do jovem Jim, que o leva a salvar os seus amigos/companheiros com as suas ideias que, à partida, seriam inúteis, e que faz com que a história acabe bem (exceptuando os que morreram nos entretantos…). Também ficamos admirados com a esperteza de Long John Silver, que teve a habilidade de fazer jogo duplo, através de chantagens e manipulação, acabando por salvar a sua pele. E que chantagens/manipulações são estas? Por exemplo, Silver não deixava os piratas assassinarem os honestos, com a desculpa de que eles serviriam de reféns – na verdade, o que Silver pretendia era ficar “amigo” dos fiéis, cobrando-lhes o favor de lhes ter poupado a vida, para depois testemunharem a favor de Silver, impedindo-o de ir parar à forca.

Aproveito para confessar que Silver é a minha personagem preferida deste romance, não só pela sua aptidão para adequar-se às situações e fazer o seu jogo duplo, mas também devido à sua simpatia e bom humor, sempre escarnecendo da tripulação. Atrevo-me a dizer, até, que Silver é a personagem mais carismática desta história. É, por assim dizer, um bom vilão.
Na imagem: Long John Silver
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